Foram muitos os Povos e Religiões que passaram pelo território que é hoje Portugal. A nossa Identidade Cultural é riquíssima porque resulta precisamente desta diversidade. Infelizmente durante 300 anos a Inquisição empobreceu Portugal com as suas perseguições. Uma das religiões perseguidas foi o Judaísmo. Na Idade Média cerca de 10% da população da Península Ibérica professava a fé judaica. Seriam 500 000 pessoas de todos os estratos da sociedade. A Ibéria era "Sefarad" ou a "terra distante" para estas gentes.
Os Judeus terão chegado à Península Ibérica provavelmente com os Fenícios na Idade do Ferro. Os Fenícios eram um conjunto de diferentes povos, com diferentes religiões, mas com a mesma língua. Originários do Mediterrâneo Oriental onde hoje temos a Síria, o Líbano, a Palestina e Israel. Os Fenícios colonizaram todo o Mediterrâneo e construíram importantes Cidades-Estado como Cartago e.....Olisipo. Segundo a Arqueologia o habitante mais antigo de Lisboa terá sido um Fenício. As civilizações e tribos autóctones da Ibéria aliaram-se os Fenícios. Infelizmente perdemos a guerra com Roma. A família "Julia" acabou por derrotar a família "Barca" e Roma conquistou toda a Ibéria no século I ac.
Na Cidade Romana de Ammaia, no Concelho de Marvão, encontramos a evidência arqueológica mais antiga da fé judaica em território hoje português. Uma pedra de anel romana com a representação da Menorah e outros símbolos relacionados com a fé judaica do século II ou III. Agradecemos ao Joaquim Carvalho a partilha da foto que vemos na Figura 1. Apresentamos a descrição da Simbologia: "Símbolos Judaicos. Ao centro, assente numa base de três pés, um candelabro de sete braços (menorah), cada um deles sobreposto por uma vela acesa com a chama inclinada para o centro. A ladeá-lo, à direita, uma palma (lulav) e, à esquerda, um chifre de carneiro (shofar) e um limão (ethrog) com um pequeno caule e duas folhas" (Graça Cravinho, Catálogo Exposição Ad Aeternitatem, 2015).
Os Judeus começaram a ser discriminados pelo Império Romano quando o Cristianismo se tornou a religião oficial no século IV. No século V chegaram à Ibéria várias tribos germânicas e entre elas os Visigodos. Estes cristãos arianos acabaram por conquistar toda a Península convertendo-se ao catolicismo no século VI. Continuaram as perseguições contra a fé judaica. Só com a chegada do Islão à Ibéria, no princípio do século VIII, disfrutaram os Judeus de alguma liberdade religiosa. Com a reconquista voltaram as perseguições. No século XV nasce a Inquisição e em 1492 os Judeus são expulsos de Espanha. D Manuel acaba também por expulsá-los de Portugal em 1496. Um terço da população de fé judaica foi efetivamente expulsa ou desterrada. Dois terços foram convertidos ao Cristianismo e grande parte à força. Estes últimos ficaram conhecidos como Cristãos-novos. Alguns mantiveram secretamente as tradições da sua fé até aos nossos dias. Os CriptoJudeus de Belmonte são o melhor exemplo mas não serão o único.
O Turismo está em claro desenvolvimento em Portugal e o nicho do Turismo Judaico também. São muitos os visitantes que procuram as suas raízes ou querem conhecer a História dos Sefarditas. Vários municípios procuram evidências de comunidades judaicas no seu território. Muitas vezes este súbito interesse pelos Judeus tem apenas um objetivo económico. Queremos apenas trazer visitantes e fomentar o Turismo. Não existe real interesse em reconhecer as tradições judaicas na nossa Identidade Cultural ou o papel dos Judeus na nossa História. Quantos dos nossos navegadores eram de famílias de Cristãos-novos? Quantas das nossas cidades cresceram graças aos Judeus? Quanto da nossa Ciência e Arte foi desenvolvida por Judeus e Cristãos-novos?
O súbito interesse pelos Judeus fomentado pelo Turismo levou à descoberta de várias casas de judeus, logo Judiarias, e principalmente Sinagogas. Infelizmente muitos dos técnicos Municipais parecem ter sido pressionados para descobrir tudo isto. Para identificação de casas de Cristãos-novos são usados os Cruciformes nas ombreiras das portas. Toda a casa alentejana está protegida por vários tipos de Ideogramas Mágico Religiosos e estes surgem por toda a casa, Encontramos cruciformes em todo o tipo de edifícios. Este Ideograma não serve para identificar Cristãos-novos. A única marca na ombreira de um portal relacionada com a fé judaica é a Mezuzah. Deixamos as palavras de Maria Tavares:
"... a identificação de Judiarias e Sinagogas a partir de sinais cruciformes gravados nas paredes de n locais da Beira, etc. Lamento, mas os fins não podem justificar os meios que actualmente são utilizados para chamar a um local Turismo Judaico ou a sua inclusão numa Rede Nacional de Judiarias.... (Tavares 2013. p.267).
O objetivo deste Post é refutar a teoria dos cruciformes apresentando a Mezuzah como marca identificativa dos Judeus. Queremos também retirar os Judeus das Judiarias e trazê-los para o centro das Vilas e Cidades. Vamos apresentar dois casos de estudo em Évora e Monsaraz. Évora é hoje o centro do Turismo no Alentejo e infelizmente continua a renegar o seu passado judaico.
Na Figura 2 vemos os trabalhos na Sinagoga de Valência de Alcântara dirigidos por Carmen Balesteros. Muito obrigado professora por nos ter apresentado aos Estudos Judaicos.
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Figura 1 |
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Figura 2 |
1. Marcas
1.1 Ideogramas Mágico Religiosos
São muitos os Ideogramas Mágico Religiosos que encontramos no Alentejo: Cruciformes, Estreliformes, Suásticas, Alquerques....(Figura 3). Estes surgem nos mais variados suportes: amuletos, talismãs, tapeçarias, cerâmica, azulejos, tarros, cornas, ferramentas, carroças..... Na casa alentejana vamos encontrá-los em: portões, chaminés, fachadas, janelas, portas....(Figura 4). Surgem também em outros tipos de edifícios: Castelos, Igrejas, Prisões, Moinhos, Aquedutos....... Não compreendo porque se pegou num destes Ideogramas, o Cruciforme, se escolheu um tipo de edifício, habitacional, um local específico, a ombreira, e de repente são marcas associadas a Cristãos-novos. Os Ideogramas Mágico Religiosos estão por todo o lado escondidos à vista de todos. Estes Ideogramas podem fazer parte do discurso oficial da construção, surgindo em relevo ou pintados, com grande visibilidade, apresentando simetria e beleza ornamental. Com mais frequência estes Ideogramas surgem no discurso marginal do Graffiti Histórico. Aqui foram desenhados, pintados, riscados ou picotados não fazendo inicialmente parte do projeto, são mais grosseiros e surgem mais dissimulados. Fazem parte de crenças antigas dentro da Religião Popular e quase sempre com uma função Apotropaica. Ainda são usados no Alentejo e são usados por praticamente todas as religiões do Mundo.
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Figura 3 |
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Figura 4 |
Apotropaico na sua definição simples, com a origem no Grego que dizer "para afastar o mal". José Luis Olmo Berrocal, aquem agradecemos, brindou-nos com uma definição mais elaborada:
"Efecto apotropaico es un término antropológico para describir un fenómeno cultural que se expresa como mecanismo de defensa mágico o sobrenatural evidenciado en determinados actos, rituales, objetos o frases formularias, consistente en alejar el mal o protegerse de él, de los malos espíritus o una acción mágica maligna en particular, purificándose (catarsis) con este rito u objeto ritual.
El término deriva del verbo griego αποτρέπειν (apotrépein ‘alejarse’), y se relaciona fundamentalmente con la necesidad psicológica de hallar cierta seguridad ante lo incierto y desconocido, lo que comúnmente se relaciona con lo peligroso y posiblemente dañino. Es común que en el orden lingüístico e idiomático esto se refleje haciendo juegos de palabras, circunloquios, perífrasis o eufemismos a fin de evitar ciertas palabras, especialmente las consideradas tabú."
Charles Fairey acrescenta acerca de símbolos e figuras apotropaicas em casas comuns:
"Carvings upon Buildings - Like the apotropaic carved guardians upon churches, houses and other secular buildings also have protective devices, either carved in stone or in the majority wood. Like those upon churches they appear in a range of forms, from grotesques and green men, like on churches, to figures, faces, mythological beasts, animals, symbols, plants, flowers, and floral patterns. Each has a meaning, which in its symbolism protects the occupants of the house from evil influences, in the outdoor world, from visitors of either this world or another, and like churches, they often appear near entrances, openings, or by chimneys / fireplaces. Some also serve as good luck practices, to give the occupiers prosperity, etc. The eyes of human, mythological representations of man or beast or animal, as an apotropaic device, further reinforce protection from the most prevalent of themes throughout world cultures, that of the ‘Evil Eye’, the blighting envious gaze. Whether day or night, these protective carvings, and their eternal watchful eyes, defend the occupiers and ward off the malevolence of the Evil Eye’s gaze." (Fairey 2018).
Muito obrigado ao nosso vizinho Correia Manuel que descreve a tradição aqui no Concelho de Alandroal:
" Ainda me recordo de ouvir que as pessoas tinham muito medo de feiticeiras e parentes. Tentavam proteger tudo o que era seu com símbolos, cruzes e outros, que as bruxas lhes ensinavam. Tudo o que corria mal na vida, doença, morte de animais, a culpa era das feiticeiras. Além das pessoas serem portadoras de objetos com símbolos também os desenhavam em casa, cabanas, chiqueiros, etc. Ainda vi alguns."
Pedro Javier Cruz Sanchez em relação ao uso da Cruz na arquitetura popular esclarece:
"En todos los casos parece que existe común acuerdo para asegurar que la cruz cuando comparece en determinados espacios de la casa –puertas, ventanas, chimenea, portones, postigos-, funciona como un detente contra la entrada del mal, entendido como el demonio, las brujas, las tormentas o cualquier otro fenómeno de la naturaleza perniciosa (putaciegas, rayos, granizo, etc.) o, simplemente, lo desconocido. En una sociedad en la que la asistencia médica era nula y los avances técnicos inexistentes, se hacía necesaria la superstición como posible solución a eventuales problemas.... La cruz como detente se muestra como un símbolo omnipresente en la arquitectura popular. Ya San Isidoro dejaba sentado el hecho de que la casa se erigía poco menos que en un espacio sagrado, inviolable, en el que personas, animales y enseres se encontraban convenientemente protegidos. No obstante, aquellos no lo estaban totalmente frente a lo desconocido, bien sean las inclemencias meteorológicas o lo ignoto, casi siempre encarnado en el mal y en sus infinitas manifestaciones y que la tradición popular ha personalizado habitualmente en demonios o en brujas, pero también en ánimas, en culebrones, fantasmas o toda una larga lista de seres intangibles.
La mejor manera de luchar contra estos elementos externos desconocidos fue el acompañarse de toda una extensa panoplia de símbolos mágico-protectores –hexapétalas, figuras de gallos, cruces– que la tradición ha colocado como inefables detentes. Se da en el mundo de las creencias populares, en palabras de Mircea Eliade (1994), una especie de hierofanía, esto es una manifestación de la divinidad, que lo hace desde distintas perspectivas, como arma represiva de lo irracional. El hombre tradicional tratará de cargar de racionalidad lo irracional, por medio de leyendas, mitos, creencias y prácticas de las que, en prácticamente todos los casos, aparece el símbolo protector por excelencia -la cruz-, acompañada de otros símbolos que, aunque nacidos de diferentes tradiciones, a veces profanas, aparecen capitalizadas y asumidas por la cultura cristiana imperante. Es así como la cruz, como símbolo protector, como espantademonios o espantabrujas (Cea, 2005), aparece profusamente en la arquitectura vernácula desde la Edad Media hasta nuestros días, corriendo su desarrollo iconográfico parejo al de la arquitectura culta, con la cual van casi de la mano y con la que comparten así mismo, posibles significados. El símbolo de la cruz se encuentra a priori en aquellos espacios o partes del edificio por donde, tal y como es creencia popular generalizada, puede penetrar el mal. Así es como en puertas, ventanas, portones, chimeneas u otro tipo de aberturas, encontramos por lo común una o más cruces. En Galicia, por ejemplo, las cruces trazadas en las jambas de las puertas son símbolos contra las brujas (Llinares, 1991)." (Cruz Sanchez 2012, p.317 e 318).
Passamos a apresentar alguns exemplos:
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Figura 5 - Na Vila de Mourão encontramos um portal profusamente decorado com Ideogramas Mágico Religiosos: Rosetas Hexapétalas, Triângulos que formam a Suástica, que encontramos na bandeira da Cidade de Lisboa, formam também "Ampulhetas" e o "Olho contra o mal". |
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Figura 6 - No sentido dos ponteiros do relógio. Uma ombreira em Juromenha com a Cruz Patada e Pentagrama. Ainda na mesma foto na fachada acima do portal temos a Cruz da Ordem de Avis, Volutas e Suásticas Lauburo. Um líntel em Elvas com Roseta Hexapétala, Pentagrama e Cruz Patada. Um líntel na Igreja de Santa Maria em Marvão com Pentagrama e o "A" de Avé Maria. |
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Figura 7 - Em Vila Viçosa encontramos este portal ricamente decorado com nove Cruciformes e um Relógio de Sol. |
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Figura 8 - Vários Cruciformes que surgem nas ombreiras de Vila Viçosa. |
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Figura 9 - Cruciformes nas ombreiras de um moinho em Mourão. |
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Figura 10 - Cruciformes nas ombreiras do portal da barbacã interior do Castelo de Monsaraz. |
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Figura 11 - Pentagramas numa ombreira de Vila Viçosa e noutra de Montalegre. |
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Figura 12 - Roseta Hexapétala numa ombreira de Vila Viçosa. |
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Figura 13 - Círculos concêntricos com Roseta Hexapétala no centro e Pentagramas riscados posteriormente numa ombreira de Monsaraz. |
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Figura 14 - Cruciforme na ombreira de uma das janelas da Igreja de S João Baptista em Vila Viçosa. |
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Figura 15 - Roseta Hexapétala na janela da sacristia da Igreja de Santa Maria do Bispo em Montemor-o-Novo. |
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Figura 16 - Roseta Hexapétala numa ombreira de janela em Vila Viçosa. |
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Figura 17 - Pentagramas e Cruciformes na janela da prisão medieval de Marvão. |
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Figura 18 - Alquerque, enquanto Ideograma, numa seteira da Torre de Menagem do Castelo de Elvas. |
1.2. Marcas de Afiar Nas ombreiras das portas encontramos outras marcas que não têm como objetivo transmitir uma mensagem. Marcas que não consideramos Ideogramas Mágico Religiosos. Marcas de desgaste pelos elementos, marcas de impacto, marcas de encaixe de ferros e madeiras, marcas utilitárias..... Encontramos também muitos sulcos e concavidades bastante polidas. Pensamos que estas últimas sejam Marcas de Afiar. Este tipo de Marcas surge com mais frequência em suportes de Granito e Mármore. Raramente encontramos este tipo de Marcas no Xisto. Existe claramente uma preferência por rochas mais duras. Concavidades e Sulcos surgem por vezes associadas. Encontramos Marcas de Afiar com maior frequência na metade superior das estruturas. Uma altura compatível com a tarefa de afiar o gume de um qualquer artefato metálico. Temos então Marcas de Afiar na forma de Sulcos, onde se afiavam as pontas de objetos metálicos, e em Concavidades, onde se afiavam os gumes de objetos metálicos. Os objetos metálicos a afiar são vários: desde facas e navalhas, tesouras, armas brancas, outras ferramentas de várias profissões ou até a ponta de um pião. As Marcas de Afiar surgem em estruturas pétreas de vários tipos de edifícios: habitacionais, institucionais, Igrejas, Castelos, Fontes, Colunas e até na horizontal em Muretes.
As Marcas de Afiar são também associadas a Judeus por alguns autores. Neste caso nem percebemos a razão de tal associação.
Eugenio Moliner apresenta a hipótese, das Marcas de Afiar, poderem representar rituais de recolha do pó de pedra. Parece-nos bem perceptível a diferença entre as recolhas rituais e as Marcas de Afiar em concavidade. Os casos que conhecemos de recolha de pó de pedra estão mais associados a covinhas. Estas covinhas surgem em grande número e vamos encontrá-las em espaços sagrados. Na Figura 19 apresentamos alguns casos.
Eugenio Moliner também encontra a função de afiar objetos metálicos em Clarés de Ribota. Na Figura 24 encontramos um popular a exemplificar os trabalhos. Deixamos as palavras do autor:
"Otra curiosidad interesante que encontré en el pueblo de Clarés de Ribota y que podemos observar en las fachadas de muchas de nuestras iglesias son estas hendiduras bien marcadas a la altura de una persona. Unos opinan que se deben a que los fieles rascaban en esas piedras para coger el polvo al que se le podría atribuir ciertas propiedades profilácticas, como ocurre en una pila bautismal o en un sarcófago visigodo que ví en tierras gallegas. Pero mi opinión y la de muchos campesinos a los que les he preguntado es que se debe a que allí afilaban cuchillos, espadas, navajas y otro tipo de herramientas. Eso lo pude comprobar en el pueblo de La Solana, en la portada de la ermita de San Sebastián, allí se reunían los vecinos que se dedicaban a elaborar la pleita con el esparto y afilaban sus agujas y herramientas en los sillares de las jambas y en los de la pared. Las huellas de esta actividad quedaron bien marcadas en la fachada.
As palavras de Carmen Balesteros em relação a Castelo de Vide:
"A tradição, em Castelo de Vide, atribui estas marcas às sovelas dos sapateiros que terão rasgado o granito ao terem sido afiadas...." (Balesteros 1996, p.145).
Passamos a apresentar alguns exemplos de Marcas de Afiar em concavidade e sulco:
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Figura 19 - Covinhas na Rocha dos Namorados em S Pedro do Corval, numa coluna da Catedral de Córdova e numa uma pia também por Espanha. |
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Figura 20 - Observamos a altura em que encontramos as Marcas de Afiar em portais medievais de Monsaraz e Castelo de Vide. |
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Figura 21 - Marcas de Afiar em concavidade em portais medievais e na Fonte da Vila de Castelo de Vide. |
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Figura 22 - Marcas de Afiar em sulco num portal medieval, numa coluna da antiga Câmara de Monsaraz e nos Quartéis de Elvas. Neste último caso podemos observar que as marcas estão na horizontal e associadas a covinhas de tabuleiros do Jogo de Alquerque. |
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Figura 23 - Marcas de Afiar em sulco em locais sagrados. Na igreja de Encinasola em Espanha (Foto de Carmen Balesteros), no Convento de S Paulo em Elvas e na Igreja de Santiago em Montemor-o-Novo. Neste último caso de novo estão associadas a um tabuleiro de Jogo do Alquerque na soleira. |
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Figura 24 - Marcas de Afiar em sulco na fachada da Igreja de San Sebastián em Espanha. Na segunda foto o trabalho em progresso (Fotos de Eugenio Monesma Moliner). |
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Figura 25 - Nas primeiras duas fotos temos Marcas de Afiar em sulco e concavidade associadas em portais medievais. Na terceira foto temos Marcas de Afiar em concavidade associadas a uma Mezuzah na Vila de Alburquerque em Espanha. |
1.3. Dispersão das Marcas
Têm sido realizados vários levantamentos de Marcas nos centros históricos de várias Vilas medievais. Têm sido encontradas vários tipos de Marcas: Ideogramas Mágico Religiosos, Marcas de Afiar, Mezuzot..... Os autores concluem que estas Marcas estão um pouco por todo o lado. Os Cruciformes e Marcas de Afiar em sulco não se limitam às possíveis Judiarias.
Na Figura 26 apresentamos o nosso levantamento, em progresso, das Marcas de Vila Viçosa. Apresentamos a Vila fora das muralhas medievais com edifícios do Renascimento até ao século XIX. O Forte, as muralhas medievais e a Vila dentro de muralhas também estão repletos de Marcas. São largas centenas que fazem de Vila Viçosa a povoação com mais Marcas que conhecemos. Na Figura 26 podemos observar que existem várias Marcas por toda a Vila, sendo os Cruciformes mais numerosos. É difícil associar tal dispersão a Cristãos-novos.
Na Figura 27 temos uma planta do levantamento realizado em Castelo de Vide por Silvia Ricardo e João Magusto (2018). Deixamos as palavras dos autores:
"... marcas, cruciformes, rasgos verticais e obliquas,
anagramas são descobertos. No entanto, os últimos trabalhos concebidos em
Portugal sobre esta temática têm concluído que estes símbolos não são exclusivos do contexto judaico e criptojudaico e muitos indicam uma sacralização do espaço.
Apenas a mezuzah funciona com uma leitura diferente e concreta em termos
religiosos ....Um aspeto é unanime, as marcas identificadas neste estudo não são
contemporâneas umas das outras, nem foram feitas com a mesma finalidade,
nem no mesmo tipo de edifício. Ou seja, estas marcas variam em termos de
formas, que indicam finalidades distintas em espaços distintos..... no nosso entendimento, um levantamento de cruciformes e marcas
longitudinais não contribui para a delimitação e estudo das judiarias da fronteira
portuguesa, pois por si só não permite distinguir com rigor áreas de vivência de
judeus/cristãos-novos versos cristãos-velhos.... Em suma, rasgos longitudinais, datas e cruciformes existem por todo o
centro histórico, ao contrário das marcas de mezuzah..." (p.611-612).
Na Figura 28 apresentamos as plantas do levantamento de Marcas Cruciformes no Concelho de Sabugal por Marcos Osório (2014). Deixamos as palavras do autor:
"...As marcas cruciformes gravadas nos imóveis civis, militares ou religiosos são manifestações culturais omnipresentes
por toda a região da Beira Interior..... A cruz, apesar de ser empregue desde tempos pré-históricos em diversas representações de arte rupestre, é o símbolo
cristão por excelência quando aparece em contexto arquitetónico medieval e moderno, tendo mais do que um cunho
identificativo da crença religiosa, mas detendo principalmente um caráter apotropaico, isto é, uma ação protetora nas
propriedades, nos espaços públicos, nos edifícios e nas próprias gentes, o que explica a sua abundância..... E tendo presente o costume judaico de marcar a mezuzah (palavra hebraica para ombreira), ter-se-ão apropriado
da cruz e mantido a tradição de sinalizar a entrada da residência com a afirmação da sua fé, identificando-se assim
com a comunidade onde residiam. Ora, isto pressupõe um ato de “camuflagem” entre as representações existentes das
comunidades maioritárias desses aglomerados (caso contrário, o efeito pretendido não seria obtido), o que nos leva, hoje,
a ter naturais dificuldades de destrinçar o que é cristão-velho e o que é cristão-novo.
Por isso mesmo elas aparecem não só nos umbrais, mas em diversificados contextos arquitetónicos, levando-nos a
desconfiar da hipótese da sua gravação apenas no contexto da problemática cripto-judaica.
Outra irredutível prova de que a gravação de cruzes não é exclusiva dos cristãos-novos é a presença habitual à porta
das fortificações, como ocorre por exemplo no castelo medieval de Sortelha e na fortificação manuelina de Alfaiates.
Verificamos assim que o hábito de colocar sinais cruciformes à entrada de qualquer construção foi praticado durante
vários séculos pelas comunidades cristãs medievais e modernas, como forma de proteção divina desse espaço, por isso
elas aparecem recorrentemente nas próprias edificações militares de Riba Côa...." (p.162-163).
Na Figura 29 apresentamos alguns dos vários levantamentos realizados por Carmen Balesteros e pela sua equipa. Em todos eles podemos observar a dispersão de Marcas por todo o povoado para além das prováveis Judiarias.
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Figura 26 |
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Figura 27 |
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Figura 28 |
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Figura 29 |
1.4. Resumindo Cruciformes e Marcas de Afiar nas ombreiras dos portais não servem para identificar casas de Judeus ou de Cristãos-Novos. Passamos a apresentar os nossos argumentos:
- Não surgem em todos os portais medievais que apresentam a Mezuzah. Estes portais pertenceram certamente a casas de Judeus. Deviam de ter sido (re)sacralizados com Cruciformes ou Marcas de Afiar. Dos 24 portais medievais, com a Mezuzah, que conhecemos apenas um apresenta Cruciformes e outro Marcas de Afiar.
- Imaginemos que o traçar de Cruciformes na ombreira de um portal fazia parte de uma adaptação a um costume dos Cristãos-velhos. Uma "camuflagem" como um dos autores bem referiu. Neste caso é impossível distinguir Cristãos-velhos de Cristãos-novos.
- Se fosse um costume somente dos Cristãos-novos então estavam chamando a atenção da Inquisição. Precisamente o oposto do pretendido.
- Os Cruciformes surgem com mais frequência na forma marginal do Graffiti Histórico. Esta é uma das formas de expressão da Religião Popular não sendo aprovada pela Igreja. Mais uma vez estamos a chamar atenção da Inquisição.
- Os Cruciformes também surgem nos portais de uma forma oficial fazendo parte de um discurso aprovado pela Igreja.
- Os Cruciformes são apenas um de largas dezenas de Ideogramas Mágico Religiosos que surgem em portais (ver Ponto 1.1).
- Os Cruciformes também surgem noutras partes dos edifícios: janelas, chaminés, fachadas, portões, nas próprias portas, nos trabalhos em ferro dos portais e varandas....
- Os Cruciformes surgem nas ombreiras dos portais em todo o tipo de edifícios: Castelos, Igrejas, o mais variado tipo de Instituições, Prisões, Moinhos, Aquedutos......
- Os Cruciformes não surgem em todos os edifícios da Judiarias. Nem sequer com mais frequência nas Judiarias. O que seria de esperar.
- Os Cruciformes surgem por toda a área das Vilas medievais. Em vários casos espalham-se por zonas com edifícios mais recentes dos séculos XVII e XVIII. Isto acontece no nosso caso de estudo de Vila Viçosa.
- Sulcos e Concavidades assumem formas diversas que não permitem a comunicação entre quem as realiza e quem as vê. Não transmitem uma mensagem logo não são um Ideograma Mágico Religioso. Sulcos e Concavidades são Marcas Utilitárias servindo para afiar objetos metálicos.
Cruciformes e Marcas de Afiar nas ombreiras dos portais não servem para identificar casas de Judeus ou de Cristãos-Novos.
1.5. A Mezuzah Mezuzah é uma tradição judaica e quer dizer ombreira em hebreu. A casa de um judeu tem na ombreira do portal um pergaminho com partes do Antigo Testamento. Os judeus ao entrar na casa beijam a Mezuzah, ou tocam nela com os dedos e depois nos lábios, relembrando as orações do pergaminho. Pedem uma benção a Deus, recordam as suas raízes e pedem proteção. Esta tradição de proteger a casa e as portas é milenar e comum a várias culturas. Vamos encontrá-la no Antigo Testamento, no Êxodo 12:23, quando as ombreiras e vergas das casas dos Judeus foram aspergidas com sangue de cordeiro.
Identificamos o ritual da Mezuzah em ombreiras de portais medievais quando encontramos uma ranhura, 2 por 10 cm, na parte superior das ombreiras dos portais. Os Sefarditas gravavam esta ranhura na vertical enquanto que hoje vamos encontrar as Mezuzot com a parte superior inclinada para dentro. Esta última tradição foi adoptada em França a partir do século XII e pelos Asquenazi sendo hoje regra. Encontramos a Mezuzah geralmente do lado direito da ombreira do portal. Pode surgir do lado esquerdo se a porta abrir para fora ou para o lado direito. Damos como exemplo as Mezuzot de Monsaraz. Dentro da ranhura tínhamos uma caixa que continha o Klaf. Um pedaço de pergaminho de couro de animal Kosher com partes do Shemá. As mais importantes orações do culto judaico retiradas da Torah. Deixamos as orações do Shemá que encontramos na Mezuzah:
Deuteronômio 6:4-9
Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.
Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.
E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração;
E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te.
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos.
E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas.
Deuteronômio 11:13-21
E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar ao Senhor vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma,
Então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite.
E darei erva no teu campo aos teus animais, e comerás, e fartar-te-ás.
Guardai-vos, que o vosso coração não se engane, e vos desvieis, e sirvais a outros deuses, e vos inclineis perante eles;
E a ira do Senhor se acenda contra vós, e feche ele os céus, e não haja água, e a terra não dê o seu fruto, e cedo pereçais da boa terra que o Senhor vos dá.
Ponde, pois, estas minhas palavras no vosso coração e na vossa alma, e atai-as por sinal na vossa mão, para que estejam por frontais entre os vossos olhos.
E ensinai-as a vossos filhos, falando delas assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te, e levantando-te;
E escreve-as nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas;
Para que se multipliquem os vossos dias e os dias de vossos filhos na terra que o Senhor jurou a vossos pais dar-lhes, como os dias dos céus sobre a terra.
Uma interessante invenção dos Cripto-Judeus de Belmonte, para fugir à Inquisição, foi a Mezuzah de bolso.
A Mezuzah é a única Marca que serve para identificar uma casa que pertenceu a Judeus.
Passamos a apresentar várias Mezuzot medievais que sobreviveram na nossa região:
(nota: as últimas três são prováveis reutilizações no entanto todas se encontram em locais onde encontramos com frequência Ideogramas Mágico Religiosos).
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Figura 30 - Várias Mezuzot, por esse Mundo fora, em algumas delas ainda observamos a caixa contendo o pergaminho. |
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Figura 31 - Em Évora na Rua do Salvador, na Sede do Grupo Pró-Évora, antigo Paço do Fidalgo Rui Palha, encontramos duas Mezuzot. Estas estão num espaço interior o que é muito interessante. |
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Figura 32 - Também em Évora na Sede do Grupo Pró-Évora |
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Figura 33 - Em Évora, na Travessa do Barão, encontramos uma Mezuzah na provável porta da Sinagoga. |
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Figura 34 - Em Évora, na Rua da Moeda, encontramos uma provável loja medieval com a Mezuzah em ambos os portais. |
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Figura 35 - Também em Évora na Rua da Moeda, |
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Figura 36 - Em Estremoz na Rua Rainha Santa Isabel encontramos uma Mezuzah. |
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Figura 37 - Em Estremoz na Rua Nova encontramos uma Mezuzah. Esta encontra-se (re)sacralizada com vários Ideogramas Mágico Religiosos e pode ter sido a porta da Sinagoga. |
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Figura 38 - Em Castelo de Vide, na Rua da Sinagoga, encontramos uma Mezuzah na porta da provável Sinagoga. A porta do lado onde poderia ter estado outra Mezuzah parece ter sido restaurada. |
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Figura 39 - Em Castelo de Vide, na Rua da Fonte, encontramos duas Mezuzot no mesmo portal. Um caso único sem paralelos (Fotos de Silvia Ricardo e João Magusto). |
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Figura 40 - Em Castelo de Vide, na Ruinha da Judiaria, surge uma Mezuzah (Fotos de Silvia Ricardo e João Magusto). |
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Figura 41- Em Castelo de Vide temos duas Mezuzot em portas interiores (Fotos e informação de Susana Bicho). |
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Figura 42 - Em Monsaraz na Rua de Santiago encontramos uma Mezuzah. Esta surge na ombreira esquerda do portal. Uma situação que pode ter a ver com a abertura da porta para a direita. Pode também ter a ver com uma tradição local. |
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Figura 43 - Em Monsaraz no portal da Igreja de Santiago encontramos uma Mezuzah. Esta também surge na ombreira esquerda. A Igreja de Santiago, segundo a tradição local, pode ter sido a Sinagoga.
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Figura 44 - Em Alburquerque encontramos várias Mezuzot, esta encontra-se na Calle Derecha. |
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Figura 45 - Em Alburquerque encontramos várias Mezuzot com grande concentração na Calle Derecha. |
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Figura 46 - Em Alburquerque também na Calle Derecha numa provável loja medieval. |
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Figura 47 - Mais Mezuzot de Alburquerque. |
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Figura 48 - Provável Mezuzah, em Castelo de Vide, numa esquina da Câmara Municipal. |
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Figura 49 - Provável Mezuzah, em Elvas, numa das Portas de segunda muralha Islâmica (Informação de Rui Jesuino).
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Figura 50 - Provável Mezuzah em Évora na soleira de uma porta. Localiza-se na Rua de Santa Clara dentro da área da segunda judiaria (Informação de Carmen Balesteros). |
2. Judiarias
2.1. A primeira Judiaria de Évora
Em Évora encontramos um caso muito interessante na Rua do Salvador. Mais precisamente no antigo Paço do Fidalgo Rui Palha, que foi recolhimento dos Monges Paulistas da Serra d'Ossa sendo hoje a Sede do Grupo Pró-Évora. Aqui, escondido dentro de edifícios posteriores (Figura 51), sobreviveu um edifício medieval. Este apresenta duas portas góticas, uma maior que dava acesso à oficina ou loja e outra mais pequena que dava acesso à habitação (Figura 52). Este edifício seria provavelmente uma oficina ou loja medieval. Dentro deste encontramos várias portas, do mesmo período, e em duas delas encontramos a Mezuzah (Figuras 31 e 32, portas 4 e 6 da Planta da Figura 53. Informação de Rui Arimateia retirada de Balasteros, 1995, p.185). Infelizmente nas portas exteriores não encontramos a Mezuzah. Uma das portas está entaipada (porta 2) e na outra porta a pedra onde estaria a Mezuzah foi substituída (porta 1). Uma substituição que não me parece inocente. Na Figura 54 observamos as diferenças de patine entre a pedra cortada recentemente e as demais cortadas há centenas de anos.
Estamos perante uma loja medieval que terá pertencido a uma família judaica. Esta loja encontra-se muito perto da Praça do Sertório, a antiga Praça do Peixe. Uma Praça dentro da cerca velha de Évora e dedicada ao comércio, portanto um sítio óptimo. O peixe é de extrema importância para os Judeus. Mencionado em vários textos do Talmude como essencial em refeições especiais ou nas festividades. O peixe na Fé Judaica é sinal de fertilidade, abundância, uma benção e bom presságio. Existem vários casos de comunidades judaicas, e Sinagogas, que se desenvolveram em volta das Praças do Peixe. São várias as Cidades do Leste da Europa onde as Comunas Judaicas se desenvolveram em redor da Praça do Peixe. Deixamos o exemplo de Ukmerge na Lituânia e Cracóvia na Polónia. Na Figura 55 vemos uma foto da Sinagoga de Izaak Jakubowicz na Cracóvia com o Mercado do Peixe em frente. Por cá encontramos um exemplo interessante em Castelo de Vide. Na Praça onde hoje temos a Fonte da Vila vamos encontrar o Graffiti Histórico de um peixe num dos portais medievais. Um peixe onde as barbatanas estão bem definidas e um local ligado à antiga Judiaria (Figura 56).
Voltando a Évora, no outro lado da Praça do Peixe, encontramos a Igreja de S. Tiago que pode ter sido a mais antiga Sinagoga de Évora. Deixamos as palavras de Balesteros 1995 (p.185):
"...temos ainda informação colhida nas Memórias Paroquiais de 1758, a respeito das freguesias urbanas de Évora, quando se descreve a Igreja de S. Tiago que: “nas costas da Igreja há as Ruínas de hum edifício que pelos vestígios da porta paredes e sala seria palácio no tempo da cidade primeira havia nellas aula de sinagoga…"
A partir da Praça do Peixe, seguindo a Rua do Salvador, foi aberta uma porta na cerca medieval, provavelmente a Porta Nova dos Judeus. Esta Porta Nova dos Judeus é por vezes associada à Porta de Alconchel. Num documento medieval encontramos uma clara distinção entre a Porta de Alconchel e a Porta Nova dos Judeus (informação de Francisco Bilou retirada de Balesteros 1995, p.187):
"...Dispormos agora de um dado publicado no nº 1121 do Jornal Notícias de Évora de 23 de Junho de 1904, na página nº2. Num conjunto de pequenas notas históricas de publicação periódica é divulgado nesta edição do jornal o seguinte texto: "Carta de D. Diniz dando de foro a Domingos Martiz tres casarias que elle Rey ha em Evora, uma das quaes é à porta nova dos judeus sobela ponte como parte com Gonçalo Domingues e com João Estevães, e as duas além da porta dÁlconchel por dez libras anno. Dada em Montemor-o-Novo 14 de Dezembro. Era de 1332.".
A Porta da Selaria ou de Alconchel pela sua localização, e torres de proteção, é parte do desenho original da Cerca Velha. Não nos parece que esta Porta tenha sido aberta mil anos depois da construção da Cerca velha. Na Figura 57 observamos as Plantas dos trabalhos de Bilou (2017, p.191) e Pedroso de Lima (2004, p.28). Nestas Plantas observamos a localização estratégica e torres de proteção da Porta da Selaria ou de Alconchel.
No trabalho de Val Flores (2009, p.12) encontramos dois documentos medievais, ambos de D. Dinis, que se referem a Judeus relacionando-os com a Cerca Velha:
"....disse que elrey avya as rendas das casas da barvacãa que avya el
rey as rendas das casas da Porta Nova dos judeus, e das casas da torre do paaço”.
Portanto da Porta Nova dos Judeus à "torre do paaço" provavelmente a Torre do Sisebuto. Um espaço contínuo que corre a Sul da Praça do Sertório.
No segundo documento, de 1303, temos uma doação de D. Dinis a Bento, judeu de Évora:
“o cubelo do muro que parte com as sas casas de Euora que faça hy morada e […] a baruacãa dês esse cubelo ata a torre do canto que a tape e que faça hy pumar e doulhy o andamho desse muro e do cubelo”.
Aqui encontramos a zona da Barbacã entre o "Cubelo", provavelmente outra referência à Torre de Sisebuto, até à Torre do "canto". O único "canto" que encontramos na Cerca velha é precisamente aquele onde está a Porta Nova dos Judeus.
Ainda em relação à Porta Nova dos Judeus encontramos um interessante detalhe: "....porta nova dos judeus sobela ponte....". Pensamos que a Ponte referida seja o Aqueduto (Figura 58). Um Aqueduto que existe provavelmente desde o tempo dos romanos. Deixamos a palavras de Tereno e Monteiro (2018, p.1) sobre várias fontes que nos trazem a associação entre Porta Nova - Judeus - Ponte:
"Remonta contudo só a 1285 a primeira referência escrita que se conhece a nível da toponímia eborense associando o povo judeu à cidade. Assim é escrito em documento “…à Porta Nova dos Judeus”. Em 1286 o mesmo acesso é já designado por “porta da cidade com ponte” e no ano seguinte por “Porta dos Judeus sob a ponte”. Em 1292 esta mesma porta é referida simplesmente por ”Porta Nova dos Judeus”, ou “Porta Nova”, demonstrando a importância socio económica dos judeus na cidade.".
A necessidade dos Judeus viverem numa Judiaria só aconteceu no século XIII. Antes disso Judeus e Cristão partilhavam os mesmos espaços. A Comuna Judaica sempre foi numerosa em Évora e terá sido este o fator que levou à sua expansão para fora da Cerca Velha. No século XV a Comuna Judaica de Évora era a segunda maior do reino, provavelmente um terço da população, e das mais ricas. A Comuna Judaica de Évora era constituída por duas Judiarias no século XV. O espaço escolhido para a segunda Judiaria encontra-se bem documentado pela Toponímia e fontes escritas. Quanto à primeira Judiaria alguns autores apontam para a zona da Porta de Alconchel e da Rua da Alcarcova de Cima. A nosso ver a primeira Judiaria localiza-se na área da Praça do Sertório. Baseamos a nossa hipótese em:
- As Mezuzot encontradas na Rua do Salvador
- A localização da Porta Nova dos Judeus. Claramente distinguida da Porta de Alconchel por uma fonte medieval. Uma Porta associada a uma "Ponte" que pensamos ser o Aqueduto.
- A proximidade da Igreja de S. Tiago e a fonte escrita que a menciona como Sinagoga.
- A Praça do Sertório ser a antiga Praça do Peixe. Destacando a importância do peixe na fé judaica.
- O próprio Aqueduto passa na Praça do Sertório sendo conhecida a importância da água para os rituais da Fé Judaica.
- A proposta de uma Judiaria na Rua da Alcarcova de Cima vai colocá-la fora da Cerca Velha. Um espaço incomum em outras Judiarias e pouco propício ao negócio.
Na Figura 59 temos as propostas de Tereno e Monteiro (2018, p.2) e Val Fores (2009, p.45) para a primeira Judiaria de Évora.
Na Figura 60 apresentamos a nossa proposta para a localização da primeira Judiaria de Évora.
Na Figura 61 observamos a nossa proposta para a localização Judiaria Velha em relação à Judiaria Nova.
Na Figura 62 vemos a Planta de Évora no século X com uma "Praça do Sertório" enorme e a Igreja de S. Tiago já como espaço religioso (retirado de Leite 2014, p.24).
Esta primeira Judiaria de Évora encontrava-se num espaço central. Uma centralidade que é prova da antiguidade e importância dos Judeus na Cidade de Évora. Os Eborenses de fé judaica foram um motor de desenvolvimento da Cidade. Évora é hoje a capital do Alentejo graças a eles. Infelizmente o Património e a memória judaica encontram-se esquecidos em Évora. Em Évora encontramos um monumento no chão da Praça do Giraldo dedicado às "vítimas da Inquisição" (Figura 63). Foram 7687 as pessoas castigadas pelo crime de "Judaísmo" em Évora.
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Figura 51 |
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Figura 52 |
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Figura 53 |
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Figura 54 |
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Figura 55 |
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Figura 56 |
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Figura 57 |
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Figura 58 |
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Figura 59 |
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Figura 60 - 1- Loja do Judeu. 2 - Porta Nova dos Judeus, 3 - Sinagoga, 4 - Praça do Peixe, 5 - Porta da Alconchel, 6 - Termas Romanas. |
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Figura 61 |
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Figura 62 |
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Figura 63 |
2.2 A Judiaria de Monsaraz
Em Monsaraz encontramos a Casa da Inquisição, foi o provável "escritório" da Inquisição, onde se reuniam provas contra os acusados. As punições eram realizadas em Évora por medo da população local. A Casa da Inquisição é hoje um Museu para todas as religiões. O logotipo é um Pentagrama criado a partir de cabeças de sepulturas medievais. O Pentagrama é um Ideograma Mágico Religioso ainda usado com funções apotropaicas na nossa região. Está por todo o lado, desde artefatos até edifícios (Ver Figuras 6 e 11), não serve para identificar a Fé Judaica muito menos na Idade Média.
Em Monsaraz encontramos duas Mezuzot com a particularidade de estarem do lado esquerdo dos portais. Uma encontra-se numa casa de habitação, no lado esquerdo do portal, no interior da ombreira a uma altura comum à Mezuzah. A outra encontra-se no portal da Igreja de Santiago, no lado esquerdo, no exterior da ombreira, a uma altura baixa para a Mezuzah. Levantamos algumas hipóteses para estas Mezuzot incomuns:
- Pode ser uma tradição local e provavelmente a razão da sobrevivência destas Mezuzot até aos nossos dias.
- As portas podiam abrir para fora ou para a direita levando à colocação das Mezuzot no lado esquerdo.
- Podemos estar perante a reutilização das cantarias. Embora no caso da Igreja de Santiago esta explicação seja difícil.
- Na Figura 64 observamos como dentro do portal da Igreja de Santiago foi construído um portal mais pequeno e tosco. Pode ser esta a razão da Mezuzah estar no exterior da ombreira.
A tradição oral diz-nos que a Igreja de Santiago foi a antiga Sinagoga. Vamos encontrar o mesmo Orago na provável Sinagoga de Évora. Da mesma maneira que encontramos S Lázaro ligado a leprosarias, Santa Catarina à Ordem Templária, S. Pedro a Rochas Sagradas, Santa Maria e Mesquitas.....S. Tiago parece ligado a Sinagogas. Vamos encontrar esta ligação em Évora, Monsaraz, Covilhã, Coimbra, Belmonte....
Informação recolhida na Casa da Inquisição indica-nos que um documento da Santa Casa da Misericórdia, de 1601, refere a localização da Judiaria, dentro das muralhas, entre a Porta de Évora e a Rua de Santiago. Parecem ter existido casas de Judeus na Travessa da Cisterna e na Rua Direita. As nossas Mezuzot encontram-se dentro da área da Judiaria medieval o que vem reforçar a ideia da sua função. Na Figura 65 vemos a zona aproximada da Judiaria de Monsaraz. Na Figura 66 temos a Mezuzah numa casa de habitação (1), a Mezuzah na Igreja de Santiago (2) sendo esta Igreja a provável Sinagoga (3), em (4) temos o derrube que destapou uma provável rua, em (5) localiza-se a Porta de Évora na Cerca Medieval e em (6) temos a Rua de Santiago. Temos então Fontes escritas, materiais e orais que apontam para a localização da Judiaria de Monsaraz.
As secas prolongadas seguidas de chuvas intensas de curta duração têm levado à queda de muitos edifícios antigos. Tal aconteceu com um muro de um quintal de Monsaraz. A queda parcial deste muro pôs a descoberto um caminho cortado no afloramento natural xistoso (Figura 67). A nosso ver seria mais uma das ruas da Judiaria. Esta ligava diretamente a Porta de Évora com a provável Sinagoga na Igreja de Santiago (Figura 68). Apresentamos também uma carta antiga que parece mostrar o início de uma escadaria no exato sítio posto a descoberto pelo derrube (Figura 69).
Na Freguesia de Monsaraz existem também referências a uma "Aldeia dos Gomes" (informação de Isidro Pinto). Esta Aldeia desapareceu e ainda procuramos evidências materiais da sua localização. Na Casa da Inquisição existem três processos contra a família Gomes. Uma famosa família judaica de Elvas eram precisamente os Gomes da Mata e é também a família da minha mulher.
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Figura 64 |
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Figura 65 |
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Figura 66 |
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Figura 67 |
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Figura 68 |
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Figura 69 |
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Figura 70 - Alguns dados sobre a Mezuzot com destaque para a sua presença em prováveis Lojas e Oficinas Medievais. |
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Figura 71 - A Mezuzah em Lojas de Oficinas Medievais nomeadamente Castelo de Vide (Alçados de Susana Bicho), Évora e Alburquerque. Podemos também observar dois elementos da cantaria que foram substituídos no local exato onde poderia estar a Mezuzah. |
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Figura 72 - Em Estremoz |
Obrigado
Bibliografia
Afonso de Carvalho (2004)- Da Toponímia de Évora: Dos meados do século XII aos finais do século XIV, Lisboa, Edições Colibri
Afonso de Carvalho (2004)- Da Toponímia de Évora: Século XV, Lisboa, Edições Colibri
Balesteros, Carmen (1995) - A Sinagoga Medieval de Évora: Elementos para o seu estudo in A Cidade de Évora, Boletim de Cultura da Câmara Municipal de Évora,, Nº1, 2º Série, 1994-1995, pp. 179-211.
Balesteros, Carmen (1996) - Marcas de simbologia religiosa judaica e cristã - para um levantamento prévio em povoações da raia portuguesa e espanhola (I) in Ibn Maruán, Revista Cultural do Concelho de Marvão, n.º 6, Lisboa, Edição da Câmara Municipal de Marvão, Edições Colibri, pp. 139-152
Balesteros, Carmen (1997) - Marcas de simbologia religiosa judaica e cristã em ombreiras de porta – III – Novos elementos in Ibn Maruán, Revista Cultural do Concelho de Marvão, n.º 7, Lisboa, Edição da Câmara Municipal de Marvão, Edições Colibri, pp. 165-182.
Balesteros, Carmen, Ribeiro, Margarida (1999-2000) - Marcas de cristianização nos núcleos urbanos antigos de Alpalhão e Valência de Alcântara (Cáceres) in Ibn Maruán, Revista Cultural do Concelho de Marvão, n.º 9/10, Lisboa, Edição da Câmara Municipal de Marvão, Edições Colibri, pp. 391-418.
Balesteros, Carmen; Santos, Carla; (2000) - Marcas de Simbologia Religiosa Judaica e Cristã ou Cristã-Nova nos Núcleos Urbanos Antigos de Estremoz e de Trancoso in 3.º Congresso de Arqueologia Peninsular - Actas, Vila Real, Set. 1999, Coord. geral de Vítor Oliveira Jorge, vol. 8, "Terrenos" da Arqueologia da Península Ibérica, Porto, ADECAP, pp. 207-228.
Balesteros, Carmen (2013) - Arqueologia dos Judeus Peninsulares: os casos do Alentejo e Extremadura in Turres Veteras - Judiarias, Judeus e Judaísmo, Coord. Carlos Guardado Silva, nºXV, ed. Colibri/Instituto Alexandre Herculano/Câmara Municipal de Torres Vedras, 2013, pp.165-182.