Covinhas e Rochas Sagradas II Parte - Folk Religion

Figura 1



Índice

I Parte (LINK)
1 - Introdução
2 - Como identificar as Covinhas?
3 - Para que servem as Covinhas?
3.1 - Encaixes, Suportes e Degraus
3.2 - Pilões, Mós e Mineração
3.3 - Tabuleiros de Jogo
4 - As Covinhas como parte de um ritual
4.1 - Geofasia
4.2 - Litofones
4.3 - Recipientes
4.3.1 - Rochas Sagradas e Água Podre
4.3.2 - Libações e Oferendas
4.3.3 - Sulcos e Canais
4.3.4 - Candeias e Velas
4.3.5 - Etnografia e Toponímia
5 - Origem, Antas-Templos e Rituais de Morte
5.1 - Altar e Sepultura com Covinhas na Serra das Pedras

II Parte
6 - Rochas Sagradas e Rituais de Fertilidade
6.1 - Pedras Escorregadias
6.2 - Pedras da Lua
6.3 - Altares, Namorados e Cornos
6.4 - Outras Rochas Sagradas
7 - Menires
7.1 - Menires Naturais, Paisagens Rituais e Caminhos
7.2 - Menires-Altares
7.3 - Serpentes e Mouras

III Parte (em construção)
8 - As Covinhas enquanto Representação
8.1 - Mapas e Constelações
8.3 - Fertilidade e o Sagrado
9 - As covinhas enquanto Ideogramas Mágico Religiosos
9.1 - Altares
9.2 - Olhos dos Deuses
9.3 - Celtas
9.4 - Cruzes
9.5 - Chagas de Cristo
9.6 - Rosetas
9.7 - Adivinhação
9.8 - Nine Holes
9.9 - Padrões
9.10 - Serpentes
9.11 - Espirais
10 - Bibliografia


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6 - Rochas Sagradas e Rituais de Fertilidade


    As covinhas na sua simplicidade podem ser a expressão mágico religiosa mais antiga do Homem. A sua dispersão por esse mundo fora é mais uma evidência da sua importância nas sociedades humanas. Mas as covinhas não estão sozinhas. As Rochas onde encontramos as nossas covinhas também fazem parte da nossa Identidade Cultural. São autênticas Rochas Sagradas.
    Fulvio (2010, p.213) cita Sansoni quanto ao carácter "popular" das covinhas:
    "(...) we have the impression that the cup-marks, in their graphic simplicity, refer to a tradition which is more ancient and widespread, and therefore much more ingrained and popular, and that their value is irreducible to the figurative dimension. ‘‘Popular’’ would then indicate the ceremonial practices of the humbler layers of society, for
a basically territorial expression of the community or family group. (...) [Sansoni 2003]
    As Rochas Sagradas acompanham do Homem desde sempre. No distante Paleolitico as sociedades humanas eram mais pequenas. Estes Bandos e Tribos eram animistas e viam todos os elementos naturais como tendo espirito. Tudo estava ligado. A mãe Natureza era "o todo" manifestando-se nas pedras, árvores, rios e até nos fenómenos naturais. Este crença no mundo natural ainda está viva. É de tal forma poderosa que sobreviveu até hoje. Nos nossos dias temos muitas sociedades tribais que ainda são animistas. No nosso Alentejo o animismo também sobreviveu. Os vários monoteismos tentaram destruir estas crenças primodiais mas não conseguiram. Encontramos o animismo na Toponimia, nas Tradições e no Património. O animismo sobreviveu na religião popular e nos sincretismos dos monoteismos. Invertendo mesmo a função dos
sincretimos.
    Deixamos as palavras de Calado (2004, p.166) sintetizando a importância das Rochas Sagradas para as sociedades de caçadores-recolectores:
    " (...) Por outro lado, a sacralização dos acidentes naturais mais importantes, entre os quais se inscrevem os afloramentos rochosos mais eminentes, está perfeitamente atestada em inúmeras ocorrências arqueológicas e etnográficas, quer em termos genericamente rituais, quer em contextos funerários. É, sobretudo, nas sociedades com maior mobilidade, com são, por regra, os caçadores-recolectores, que os marcadores naturais das paisagens ganham importância acrescida (Taçon 1994: 126; Barnatt, 1998: 98; Cooney, 1998: 110; Ouzman, 1998: 39; Nash, 2000: 5; Swartz, 2000: 160; Alves, 2002: 61; Bergh, 2002: 139; Cummings, 2002: 107)."
     São muitas as Rochas Sagradas que encontramos "escondidas" nos monotesmos:
- A pedra de onde nasceu o Deus Mitra.
- A pedra de Bethel onde dormiu Jacob sonhando com escada para os céus. Jacob que deitou óleo na pedra e transformou-a num templo.
- A rocha em Jerusalém onde os primeiros profetas judeus realizavam os seus rituais e de onde o profeta Maomé partiu para os céus.
- A pedra negra guardada na Kaaba em Meca alvo da maior peregrinação da humanidade.
    Todas as histórias por detrás destas pedras escondem pistas para a importância das Rochas Sagradas.
    A Etnografia traz-nos muitas tradições provavelmente milenares. Infelizmente muitos dos investigadores que estudam a Pré-História tem aversão a paralelos com Sociedades Tribais Contemporâneas e registos Etnográficos. Mas o Homem da Pré-História tinha os mesmos medos e necessidades que o Homem de hoje. Vivendo no mundo rural conseguimos não só comprender isto como sentir. E essa é a razão da sobrevivência do animismo no mundo rural alentejano. Neste mundo a proximidade com a Natureza, a sensação de pertença a um todo, a sensação de continuidade é avassaladora.
    As Rochas Sagradas apresentam poucas evidências do seu importante papel o que as torna "invisíveis" para os investigadores. Ganha então importância o paralelo com Sociedades Tribais Contemporâneas e as tradições Etnográficas. São vários os Rituais e Toponímia que chegaram até hoje relacionadas com as Rochas Sagradas. As Pedras Escorregadias, Pedras dos Namorados, Pedras de S. Cornélio, Pedras da Lua, Menires, Altares e respectivos rituais não são invenções contemporâneas. O ritual pode ter mudado ao longo dos tempos, pode mesmo estar "disfarçado" dentro das tradições da religião dominante, mas na sua essência continua a ter a mesma função. Neste Post vamos desenvolver o tema das Rochas Sagradas dentro de uma função ligada à fertilidade e destacando o papel das nossa covinhas.
    Almagro-Gorbea et al (2018, p.219) acerca da importância da fertilidade segundo Dominguez Moreno e acerca da mulher da Extremadura:
    "Al analizar hace años José María Domínguez Moreno los ritos de fecundidad en Extremadura, señalaba que “a lo largo de los tiempos nos encontramos que el hecho de procrear ha sido una constante preocupación y un poderoso deseo en todas las sociedades” y añadía que “para la mujer extremeña nada hay tan penoso ni constituye mayor infamia que el que se la tache de estéril, jarra y machúa”. Esta evidencia es propia de todos los pueblos y culturas, pues la supervivencia como especie en todo ser vivo depende de su fecundidad."
    As Rochas Sagradas que consideramos associadas à fertilidade são as Pedras Escorregadias, as Pedras de Namorados, as Pedras da Lua, os Menires e vários Altares relacionadas elas. Em todas estas Rochas Sagradas surgem covinhas com frequência. Como aliás já vimos na Rocha dos Namorados em S Pedro do Corval (Reguengos de Monsaraz). Vamos também apresentar alguns casos de estudo onde as Rochas Sagradas surgem em Paisagens Rituais. Muitos destes monumentos estão associados a povoados, necrópoles, limites territoriais e caminhos. Esta situação parece-nos ser mais uma evidência da sua antiguidade. As milenares Rochas Sagradas viram nascer à sua volta a paisagem humanizada que hoje conhecemos.
    As Rochas Sagradas são um Património vasto que merecia mais estudo, divulgação e proteção. Sobreviveram a milénios de destruição e abandono tendo ainda um papel na nossa Identidade Cultural. Que o diga a "montanha sagrada" do Alentejo......a Serra d'Ossa. O Monte de Vénus para os romanos chegou a ter mais de trinta conventos e mosteiros na Idade Média. Hoje é uma plantação com 10 milhões de eucaliptos. Esperamos que este post sirva para divulgar as Rochas Sagradas e que assim consigamos salvar algumas.
    Boas noticias chegam de Espanha com a obra "Berrocales Sagrados de Extremadura Origenes de la Religión Popular de la Hispania Céltica" de Martín Almagro-Gorbea, Julio Esteban Ortega, José Antonio Ramos Rubio e Óscar de San Macario Sánchez (Figura 2). Deixamos o indice que é reflexo da diversidade de monumentos encontrada nos mais de 200 monumentos da obra:
- Peñas numínicas
- Altares rupestres
- Peñas propiciatorias y de adivinación
- Peñas resbaladeras
- Las peñas oscilantes
- Menhires y peñas fálicas
- Lechos rupestres
- Peñas solares Pareidolias, peñas oculadas y peñas en forma de seta
- Peñas con huellas míticas
- Las peñas-trono
- Peñas sonoras.
- Las peñas con tesoros


Figura 2




6.1 - Pedras Escorregadias


    As Pedras Escorregadias são hoje associadas a brincadeiras de crianças. Esta situação levou a que estejam esquecidas em Portugal. No entanto as brincadeiras escondem rituais de fertilidade antigos.
Almagro- Gorbea et al (2021, p.103) sobre uma Pedra Escorregadia identificada por Leite de Vasconcelos :
    "El estudioso portugués José Leite de Vasconcelos no las recoge en su interesante capítulo dedicado al Culto a las pedras, aunque hace referencia a una pedra escorregadía en Horta do Marchicão, cerca del santuario de Nosa Senhora da Cola, por la que se resbalaban las embarazadas para tener un buen parto (...)"
    Na Figura 3 apresentamos duas Pedras Escorregadias da vizinha Extremadura retiradas da obra de Almagro-Gorbea et al (2021).
    No Norte da Europa estas Pedras Escorregadias são também chamadas de "Escorregas das Bruxas". Neste nome já encontramos uma pista ara a sua função. Um escorrega usado por mulheres e logo bruxas. Uma maneira de menosprezar ritos antigos ligados ao paganismo é associá-los às bruxas. Deixamos a descrição de um escorrega de bruxas com covinhas, no Reino Unido, por Varner (2012, p.28):
    "Similar “sliding stones” were located near the village of Ratho seven miles from Edinbrugh called “The Witches Stone.” Reportedly the slanted surface of the stone had a line of 24 cup-marks and became highly polished over the years with the practice of people sliding down the stone. For the most part barren women did so in the hope of conceiving a child."
    No Libano encontramos a Pedra das Grávidas localizada na antiga pedreira romana de Heliopolis. A forma e o nome desta pedra não deixam dúvidas quanto à sua função.
    Mas se ainda as há dúvidas aqui vai uma foto do ritual na Montanha de Salomão no Quirgistão (Figura 4 à esquerda). Foto e informação de Riccardo Pasquin a quem agradecemos. Na foto podemos observar que a Pedra escorregadia escorregadia local está repleta de covinhas. Nesta montanha sagrada da distante Ásia Central, que nos faz lembrar a nossa Serra d'Ossa, encontramos muitos templos, arte rupestre e rituais antigos. Um destes rituais antigos é fazer um laço no árvore com forma de pedir algo aos deuses. Um ritual semelhante encontramos em S. João da Pesqueira no Santuário de S. Salvador do Mundo. Conta a tradição que uma jovem que vá em peregrinação ao Santuário e conseguir dar um nó na rama de uma giesta, com a mão esquerda sem parar e se este depois não se desatar, casará num espaço de um ano (retirado do Site do Município). A mesma tradição existe no nosso Concelho do Alandroal no Santuário da Rocha da Mina (Figura 4 à direita).
    Marisa Uberti (2012, p.15) traz-nos mais uma Pedra Escorregadia que merece destaque pelo facto de ter covinhas que formam um Ideograma Mágico Religioso de que falaremos mais à frente:
    "(...) the rock of Elvas-Kreuzplatte, characterized by the presence of an evident “slipway of fertility” (also called “slipway of the witches”, very smoothed by the continuous rubbing and slipping of persons (some cup-marks have also been scraped off because of this fact: they composed a square of nine points, or on the other hand three rows of cup-marks on three columns (...)"
    Almagro-Gorbea et al (2021) encontram 60 Peñas Resbaladeras na Extremadura espanhola e mencionam a existência de 15 Pedras Escorregadias por Portugal. Passamos a apresentar aquelas que conhecemos na nossa região. Infelizmente a maior parte já foi destruída:
- Pedra Escorregadia da Defesa de Santiago no nosso Concelho de Alandroal. Perto do Menir Natural da Pedra Alçada e de um Altar com Covinhas que formam Ideogramas. Apresenta algumas covinhas mas já foi muito danificada pela extração de pedra.
- Pedra Escorregadia da Barrada em Monsaraz no Concelho de Reguengos de Monsaraz. Perto do Penedo Comprido ou Menir do Outeiro, do Cemitério e Igreja da Aldeia da Barrada.
- Pedra Escorregadia (?) de S Pedro do Corval no Concelho de Reguengos de Monsaraz. Uma hipótese para um afloramento granítico que fica muito perto da Rocha dos Namorados. Apresenta algumas covinhas mas já foi muito danificada pela extração de pedra.
- Pedra Escorregadia nos arrabaldes da Cidade de Reguengos de Monsaraz. Ainda não visitámos.
- Pedra Escorregadia nos arrabaldes da Vila de Redondo. Infelizmente foi soterrada (Figura 5 à direita). (obrigado pela informação e foto Fernanda Sesifredo)
Apresentamos também informação de outras Pedras Escorregadias mais distantes enviada por vários amigos através da Internet:
- Pedra Escorregadoira no Concelho de Valença com Arte Rupestre inclusivé covinhas (Figura 5 à esquerda). (Obrigado Riccardo Pasquin pela informação e foto)
- Pedra Escorregadia no Concelho de Albufeira. (Obrigado Abel Silva)
- Pedra Escorregadia na Aldeia de Ulgueira no Concelho de Sintra. (obrigado Guilherme Cardoso)
- Pedra Escorregadia de Miragaia no Porto. Esta ficava perto do cemitério Judaico (informação retirada do Jornal de Noticias de 6 de Abril de 2008).
- Pedra Escorregadia de Vila do Bispo. Um local muito interessante onde encontramos também o topónimo de "Monte dos Amantes". Na área e nos arredores encontramos vários menires, alguns deles de forma fálica, com graffiti histórico e covinhas. Hoje um dos menires parece ter assumido o papel de Pedra Escorregadia. Os locais associam o local a rituais pagãos de fecundidade. Se assim for temos um ritual diferente das restantes Pedras Escorregadias. Escorregar, ou roçar, num menir fálico em busca de fertilidade é muito interessante. Levantamos também a hipótese de a Pedra Escorregadia ainda não ter sido identificada ou ter sido destruída provavelmente na construção da Estrada Nacional.
- Pedra Escorregadia de Pedra Maria em Felgueiras. Informação e hipótese de Augusto Barbosa a quem agradecemos:
" (...) a capela da Pedra Maria, como é conhecida, pois foi erigida em cima de um penedo onde as mulheres iam esfregar o ventre/barriga com o intuito de fertilidade. Como a igreja não as conseguiu demover dessa prática, decidiu construir uma capela em cima do penedo. Caso alguma mulher, supostamente infértil desse à luz, seria um milagre de Nossa Senhora.".
    Levantamos mais algumas hipóteses:
- Menir de Santa Margarida em Reguengos de Monsaraz. Considerado como Menir este monumento apresenta várias covinhas, uma no topo, e um báculo. No entanto tem uma forma algo irregular o que leva alguns investigadores a considerá-lo como "natural". Esta Rocha Sagrada que pode ter sido uma Pedra Escorregadia. Este monumento demonstra a dificuldade que existe em enquadrar as Rochas Sagradas dentro da Cultura do Megalitismo especialmente os menires.
- Pedra Escorregadia de Marvão (Figura 6 à esquerda). No cancho ao pé do cemitério. (Obrigado pela foto Jorge de Oliveira)
- Pedra Escorregadia do Penedo da Senhora Redonda em Nisa (Figura 6 à direita).
    Algumas das Pedras escorregadias apresentam covinhas (Alandroal e Valença) ou podem estão associadas a Menires e Altares (Alandroal, Corval e Barrada). Muitas delas estão perto necrópoles (Alandroal, Barrada, Corval, Miragaia, Marvão, Reguengos de Monsaraz). A associação entre fertilidade e morte é muito interessante.

Figura 3

Figura 4

Figura 5

Figura 6




6.2 - Pedras da Lua


    A Lua é poderosa na minha Aldeia e muito cuidado com o sétimo filho em noites de Lua cheia...... Hollywood não inventa nada. As crianças usam por cá usam um Amuleto, a nossa filha também, onde encontramos a Lua fazendo conjunto com o Pentagrama, o Corno e a Figa. Proteção garantida contra a inveja e mau-olhado. A Lua desempenhando uma função apotropaica. A Lua sempre teve um importante papel nas comunidades rurais e principalmente no que toca à fertilidade. Deixamos as palavras de Moisés Espirito Santo (2013) sobre o papel da Lua nas comunidades rurais:
    "O Culto da Lua foi Comum a muito povos. (...) Para os Lusitanos a Lua era uma potência divina. Há 50 ou 70 anos, o povo português ainda rezava à Lua. Uma boa parte do culto de Maria procede do culto da Lua (...)
    A Lua era vista como responsável pela fecundidade humana, vegetal e animal (...)" (p.106)
    "James G. Frazer assinalou o determinismo lunar em todos os continentes, da Alemanha ou Inglaterra do seu tempo às civilizações mais arcaicas e rudimentares (...)" (p.105)
    Moisés Espirito só se enganou numa coisa...o povo português continua a rezar à Lua. Passemos a apresentar algumas Rochas Sagradas dedicadas à Lua.

Pedra da Lua

    A primeira é a Pedra da Lua na Serra do Caldeirão no Concelho de Almodôvar. Esta Rocha Sagrada foi estudada, e baptizada, por Marco Valente e equipa sendo publicada na (Super) Almadan em 2018. Esta Pedra apresenta um pequeno crescente em alto relevo rodeado de covinhas (Figura 7, desenhos e foto de Valente 2018, p.26). Um verdadeiro altar dedicado à Lua. Nas covinhas podemos ter uma função ritual provavelmente votiva. O levantamento realizado pelos investigadores deste Altar é muito interessante.


Figura 7




Castelinho

    No Concelho de Alandroal, num afloramento rochoso ao lado da Ribeira de Lucefécit, encontramos o Santuário do Castelinho. No ponto mais alto deste, que acedemos por um caminho feito de xisto, sobressai uma rocha. Esta é um verdadeiro Altar coberto de Graffiti Histórico ou melhor .....um "muro das lamentações". No xisto da rocha encontramos várias "cenas". Algumas destas cenas estão em autênticos "nichos". Na Figura 8 vemos o nosso "muro das lamentações" e como as "cenas" foram sendo gravadas, umas em cima de outras, no mesmo nicho. O que vemos hoje são as ultimas gravações. Como folhas de um bloco de notas que vamos retirando. Muito interessante. Entre o Grafitti temos muitos Ideogramas: espirais, pentagramas, soliformes, octagramas,....Alguns destes Ideogramas estão associados a antropomorfos (Figura 9). Um dos Ideogramas destaca-se pois representa uma pequena Lua em quarto minguante. Parece ser uma formação natural que terá sido realçada por picotagem. Este pequena Lua pode estar mesmo na origem do nosso Santuário (Figura 10). Nas cenas do Graffiti encontramos muitas crucificações, rezas, representações fálicas..... Destaque para a representação da famosa "Moura Encantada" associada a uma cobra (Figura 11). Encontramos também a representação de um outro "ser" fantástico. Uma espectacular cobra humana. No corpo deste ser encontramos surgem vários ideogramas que encontramos também em cerâmicas da Idade do Ferro (Figura ---). Desenhos das cerâmicas de Manuel Calado. Estas foram encontradas no Povoado do Castelo Velho que fica muito próximo. Um Santuário muito interessante.

Figura 8

Figura 9

Figura 10

Figura  11




Pedra de Aluá

    Fazendo a fronteira entre os Concelhos de Reguengos de Monsaraz e Alandroal, na nossa Freguesia de Santiago Maior, encontramos a Pedra de Aluá. Um afloramento xistoso num cabeço com interessantes vistas. Nesta Pedra encontramos a dedicação à Lua no nome local dado à Pedra. Outra evidência é um baixo relevo com cerca de 30 cm de diâmetro escavado no xisto em posição vertical (Figura 12). Perto da da Pedra de Aluá encontramos dois pequenos marcos de propriedade ou menires. É interessante verificar que são ambos em granito sendo a rocha local o xisto. Este granito teve que ser transportado encosta acima provavelmente da Herdade da Defesa que fica a uns 2 Km. Um destes marcos\menires tem mesmo uma pequena covinha no topo. (Figura 13: 1 - Pedra de Aluá, 2 e 3 - Marcos de Propriedade\Menires). O mais interessante acerca desta Rocha Sagrada é o facto de ainda haver memória do ritual realizado.     Segundo José Ramanho (a quem agradecemos a informação):
    "A população, pelo que me apareceu os mais novos, deslocava-se ao local no Sábado de Aleluia e diziam umas preces e umas cantigas associadas ao momento e à sua vida.".
    Adélia Calixto (muito obrigado pela informação) acrescenta:
    "(...) de uma tradição que se realizava há uns 80, 90 anos atrás. Foi o meu avô que em contou. A tradição realizava-se pela altura da Páscoa e consistia em ir tocar chocalhos até uma pedra chamada Pedra da Lua."
    Acerca da pedra de Aluá Moisés Espirito Santo (2013, p.115) acrescenta:
    "(...) onde os vizinhos de duas Aldeias (Marmelos e Casas Novas de Mares) se dirigiam, no Sábado antes do Domingo de Páscoa, batendo em tachos e panelas e a gritar "aluá, aluá, quem tiver bacalhau venha para cá (...).
    O investigador encontra as origens deste ritual nos escritos de Estrabão e paralelos na Galicia:
    "Estrabão (58ac-25dc) falando dos galaicos diz: não têm imagem (de culto) e têm certa divindade inominata (latim, sem nome) à qual, em noites de lua-cheia, as familias prestam culto dançando até ao amanhecer diante da porta de suas casas.(...)
    O rito descrito por Estrabão ainda existia na Galiza, perto da fronteira com Trás-os-Montes, no meados do século XX, constatado por um Etnólogo galego: (...) nas noites de lua clara e especialmente nas de Lua Cheia, os homens e mulheres da aldeia saem de casa para as ruas (...) fazem festa em honra da lua, em que homens e mulheres cantam e dançam ao som do pandeiro e das castanholas. Os cantares dirigem-se à lua , misturando neles queixas de amor (...)".
    Tradições com mais de 2000 anos que se realizaram até há pouco tempo na nossa Freguesia. Outra tradição ainda viva na nossa Aldeia é o Cântico ao Horto das Oliveiras. Um ritual de passagem que envolve os jovens de ambos os sexos e um "tesouro" ou "dote".
    É muito interessante constatar que foi num "Horto de Oliveiras" que Jesus rezou numa noite de Lua cheia sendo depois traído por Judas e preso. A Lua, a Páscoa, a Primavera e rituais milenares de fertilidade.
    Encontramos a Lua representada por um baixo relevo circular na Pedra de Aluá e em posição vertical (com algum ângulo de inclinação negativa). Um paralelo para muitos outros baixos relevos circulares que surgem na Arte Rupestre Esquemática. Este paralelo pode-se aplicar até a "pias" que surgem na horizontal e às próprias covinhas. No entanto a maior parte das representações da Lua serão os "crescentes" que representam a Lua em quarto minguante (?). O Crescente e o Pentagrama, entre outras "estrelas", tiveram grande sobrevivência no mundo islâmico em especial na heráldica e artes decorativas. Provavelmente como consequência disto foram desaparecendo no mundo cristão. Sobreviveram na Arquitetura e na Religião Popular. Um dos Ideogramas medievais juntava mesmo a cruz latina com um crescente na base. Este Ideograma acabou por se transformar numa âncora ou num barco no mundo cristão. O barco surge muito no Grafitti Histórico e na Heráldica. Por exemplo nas armas do Clã escocês dos Campbell ou na bandeira da Cidade de Lisboa (em ambos os casos com a suástica gironada). Uma conversa que terá que ficar para outro Post. As ferraduras acabaram por substituir o crescente nas suas funções apotropaicas no mundo ocidental.

Figura 12

Figura 13





6.3 - Altares, Namorados e Cornos


    É difícil diferenciar altares feitos pelo Homem de formações rochosas naturais. Até porque, muitas vezes, os altares usados em rituais antigos eram as próprias formações naturais. Aqui ganham importância as nossas covinhas. Estas são, por vezes, a única evidência antrópica de rituais milenares. Além das covinhas, em alguns casos, encontramos também Graffiti Histórico principalmente Cruciformes. A Toponímia também nos dá muitas pistas para (re)descobrimos Altares em formações rochosas naturais.
    Os Altares podem-se desenvolver na superfície horizontal onde encontramos covinhas, pias, Graffiti Histórico e pequenas pedras. Por vezes também encontramos informação nas superfícies verticais. Estas são os nossos "muros das lamentações". Nestas superfícies verticais encontramos covinhas e a maior parte do Graffiti Histórico. No inicio dos nossos estudos pensávamos que este Graffiti seria uma re(sacralização) destes lugares sagrados pela religião dominante. Pensamos agora que o Graffiti Histórico representa antes uma continuidade do ritual dentro da religião popular. A grande quantidade de cruciformes que por vezes encontramos representa vários atos individuais. Em S. Pedro do Corval encontramos também uma enorme cruz oficial rodeada de rosetas. Validando um ritual que os locais teimam em não deixar desaparecer. À grandes alentejanos. Na Toponmia e no ritual de atirar a pedra temos sobrevivências "camufladas" do papel votivo dos monumentos apontando para rituais de fertilidade.
    Ainda em relação à continuidade verificamos que surgem por vezes templos muito perto, ou mesmo por cima, das nossas Rochas Sagradas e Altares. As várias religiões que vão surgindo ao longo da história tentam re(sacralizar) as nossas Rochas Sagradas. Um Sincretismo Arquitetónico que acaba por conservar alguns dos monumentos antigos. É tal a força da Religião Popular que muitas das Rochas Sagradas sobrevivem em Santuários do Cristãos.

Altares com degraus bem afeiçoados

    Comecemos então por observar afloramentos rochosos que apresentam degraus como maior evidência da sua função enquanto Altar. Alguns destes degraus estão bem amanhados tendo sido construidos com ferramentas de ferro. Esta situação é mais uma evidência da continuidade das Rochas Sagradas com novos elementos a serem acrescentados ao longo dos tempos.
    A Rocha da Mina no Concelho de Alandroal é um bom exemplo. Um afloramento de xisto com um pequeno altar onde alguns degraus levam a uma "Mina" (Figura 14). Neste buraco encontramos uma ligação ao mundo inferior, dos deuses, dos espíritos daqueles já partiram. São várias as hipóteses para os rituais que se realizava nesta Rocha Sagrada e todas ligadas à "Mina":
- Podíamos atirar uma pedra pedindo um favor.
- Podíamos adivinhar o futuro observando as águas que ai se depositam.
- Podíamos dormir na "mina" ganhando fertilidade ou "lendo" depois os sonhos.
    A Rocha da Mina está rodeada de caminhos, levadas e oliveiras milenares, surgem também várias pias e covinhas, o que nos leva a pensar ter sido um verdadeiro Santuário que acabou por ser abandonado. Um Santuário feito de vários rituais que ainda está vivo hoje.
    Damos agora um salto a Portel onde encontramos o Santuário de S. Pedro (o nosso Petrus casamenteiro). Aqui temos também um afloramento de xisto com degraus regularizados que nos levam ao topo de um Altar (Figura 15). No topo do Altar temos uma pequena Capela e na base do afloramento uma Ermida que provavelmente já foi Qubba. Em S Pedro encontramos rituais de Geofasia segundo a descrição de Francisco Patalim (Nunes 2014):
    "(...) a Ermida começa a ser reconhecida pelos milagres de cura do Santo: a devoção e a necessidade tem obrigado a muitos a cavar e levar terra deste lugar e usando dela por medicina (...)". (p.146).
    Nunes (2014) acrescenta, acerca da antiguidade do Santuário, que talvez esteja associado a Cibele, a Deusa da montanha. Deixamos a suas palavras acerca do ritual ligado a uma cova na Capela do Altar (p.147):
    "(...) o facto de haver nessa capela mais antiga uma cova escavada na rocha próxima do altar onde, segundo a tradição, os rapazes e as raparigas colocavam o pé para arranjar o casamento, não estaria ligado a antigos rituais de fertilidade e de fecundidade? Em alguns desses cultos mais antigos,, sabe-se que o iniciado, ainda jovem, tinha de "entrar" numa cova para se purificar e iniciar-se nos mistérios da senhora da montanha. Ou essa cova seria utilizada nas libações em honra da divindade que ali fora cultuada noutros tempos?"
    Ainda em Portel encontramos as Ermidas de S. Lourenço dos Olivais (Figura 16). Estas Ermidas vêm (re)sacralizar uma espetacular Rocha Sagrada. A primeira Ermida foi construída encostada à Rocha e a segunda, mais recente, no topo. Um Santuário muito interessante onde encontramos parte do afloramento regularizado, algumas covinhas e pias. A tradição aponta para um Ritual nas largas fendas que rasgam o afloramento. Estas seriam autênticas "portas" para o mundo inferior.
    Almagro-Gorbea (2021) et al dividem os Altares Rupestre em três tipos:
    "En consecuencia, este estudio de las peñas sacras en Extremadura ha optado por mantener la división más sencilla y eficaz en tres tipos esenciales de altares rupestres: altares “tipo Lácara”, con entalladuras, altares “tipo Ulaca”, con escalones, y altares “naturales” sin transformación antrópica."
    Os santuários da Rocha da Mina e de S Pedro enquadram-se no tipo "Ulaca" com degraus bem escavados que formam um escada. São Altares mais tardios ou reformulados em período já Proto-Histórico ou Histórico. Aliás as escavações arqueológicas na Rocha da Mina vieram comprová-lo.

Figura 14

Figura 15

Figura 16



Altares com degraus simples e Blocos Pedunculados

Passemos a afloramentos rochosos que apresentam degraus mais simples, tipo "Lácara", por vezes identificados como pegadas de cabras ou do demo. Estas duas analogias não estão muito longe da verdade. As cabras eram por vezes sacrificadas nestes altares. Estas covinhas-degraus até podiam servir para ajudar os animais a subir. Por outro lado estes altares eram rochas que nasciam da mãe-terra. Um submundo que mais tarde passou a ser governado por um ser, também chifrudo, com muitos nomes sendo um deles ......"demo".
- Na Figura 17 (à esquerda) temos a Pedra da Careira 6, em Monforte, onde vemos nitidamente as covinhas-degrau (Morgado e Rocha 2013, p.17).
- Na Figura 17 (à direita) temos a Rocha dos Namoradas em S Pedro do Corval em Reguengos de Monsaraz. Nesta temos um dos lados cobertos de covinhas que podem ter sido degraus ou apoios. Este lado é o único que possibilita o acesso ao topo do monumento. Como já vimos a Rocha dos Namorados é também um exemplo de Geofasia e encontra-se repleta de Graffiti Histórico. Estes dois afloramentos rochosos naturais, dois blocos pedunculados, foram transformados em autênticos Altares.
    Nas Figuras seguintes vamos apresentar alguns exemplos de blocos pedunculados que pela sua forma, como que nascendo da terra, tornaram-se Rochas Sagradas. As evidências desta transformação em Altares surgem na Toponímia, na presença de Arte Rupestre (covinhas) e Graffiti Histórico (cruciformes). Estas evidências não são uma (re)sacralização de um sitio antigo. São testemunho da continuidade destes monumentos e em alguns casos até aos nossos dias. Sobreviveram a várias religiões politeistas e monoteistas inclusive à perseguição da terrível e infame...... inquisição.
- Na Figura 18 (Fotos retiradas de Rocha 2015, Alvim e Rocha 2011) temos o Penedo das Almoinhas (Mora) com muito Graffiti Histórico.
- Na Figura 19 (Foto retiradas de Rocha 2015 e do Site "Geocaching") vemos a Pedra das Gamelas (Arraiolos) com Graffiti Histórico, covinhas e pias no topo.
- Ainda na Figura 19 (do lado esquerdo, Foto retirada de Calado 2004) apresentamos a Pedra da Moura (Pavia) trazendo no nome uma pista para a seu passado sagrado.
    Apresentámos cinco exemplos de blocos pedunculados no Alentejo como possíveis altares. Infelizmente o ritual só sobreviveu num deles. Uma tradição de atirar a pedrinha procurando prever o futuro. Um futuro ligado ao portanto um ritual de fertilidade. Este tipo de Altar em blocos pedunculados revela-se bastante frequente.
    Na Figura 20 (Fotos retiradas de Almagro-Gorbea e Torres 2015, e do Blogue "Mi Bitacora De Historia") apresentamos dois exemplos do mesmo ritual. Um ritual também em blocos pedunculados mas agora no Norte de Portugal e na vizinha Espanha. À esquerda temos o Barroco dos Namorados em Vila do Touro (Sabugal). À direita a Porra del Burro em Valência de Alcântara (Extremadura). As palavras de Almagro-Gorbea e Torres (2015) sobre o tema:
    "(...) “penhas sagradas” com ritos oraculares, popularmente conhecidas como Penhas do Matrimónio, Penedo dos Casamentos, Penedo dos Namorados, Penedo dos Cornudos ou designadas com nomes locais muito similares. Todas elas constituem um elemento caraterístico da religião e da cultura da Hispânia Céltica, em especial da área lusitana (...) Na atualidade, conhecem-se uns 35 monumentos, que talvez cheguem à meia centena, contando que existam alguns que ainda não tenham sido identificados. Originalmente, deveriam ser bastante mais numerosos, embora a maioria tenha perdido o rito e outros tenham desaparecido em datas recentes, o que torna ainda mais necessário proceder ao seu estudo e chamar a atenção para a urgente necessidade de garantir a sua conservação."

Figura 17

Figura 18

Figura 19

Figura 20




Cornudos, S. Cornélio e S. Cornelho

    Almagro-Gorbea e Torres (2015) referem  alguns Penedos dos "Cornudos" associados a rituais de fidelidade. A este Topónimo acrescentamos os de "S. Cornélio" e de "S. Cornelho". O último vamos encontrá-lo associado à fertilidade dos rebanhos na Serra d'Ossa. O Papa S. Cornélio é o protetor do gado aparece muitas vezes representado segurando um corno e por vezes na companhia de uma vaca. Pensamos estar perante mais um sincretismo em que se tenta enquadrar os rituais antigos na religião dominante. Todas estas Rochas Sagradas são altares dedicados à fertilidade humana ou animal. Altares onde se sacrificavam touros e cabras ou se ofereciam cornos. A abundância de cornos nestes monumentos pode ter levado ao nascimento de topónimos tão interessantes.
    Encontramos o ritual de oferecer cornos aos deuses, ou ao Santo, bem vivo em Vila Viçosa. A Ermida de NS do Paraiso foi construida numa rocha escarpada por cima de uma "Mina" (Figura 21). Ou seja mais uma "porta" para o submundo. Esta Ermida, que pode ter sido uma Qubba, encontra-se hoje em ruínas. No entanto o ritual sobreviveu demonstrando grande continuidade dentro da Religião Popular. Na Figura 22 vemos o Altar-Mor da Ermida de NS do Paraíso. Neste encontramos as paredes marcadas pelas velas e as últimas oferendas na forma de cornos. Muito interessante.
    Na Figura 23 (à esquerda) temos o Penedo dos Cornudos na Aldeia de Travanca do Monte (Amarante). Uma Pedra Baloiçante onde se previa o futuro. Hoje jogam-se pedras para o topo para saber quantas vezes foi a mulher infiel. Se a pontaria for boa e a pedra ficar logo lá....nenhuma, ufa (retirado do Site "Portugal num Mapa").     Na mesma Figura 23 (à direita) apresentamos o Monte de S Cornélio em Sortelha (Foto de António Gonçalves). 
    Deixamos também a lenda de S Cornelho da Serra de Ossa (retirado do Site "Portugal de Lés a Lés"):
    "Era por alturas dos finais do ano que os pastores da região subiam ao seu ponto mais alto, onde existem ainda as ruínas de uma capela dedicada a São Gens, com todo o seu gado para que fosse benzido. Os pastores agradeciam a São Cornélio, de quem aí havia uma imagem. Era aí local de festa e grande multidão. Entre pastores e ovelhas e outros crentes, muitas pernas haveria que contar. E também muitas oferendas para agradecer, como é costume nestas singelas cerimónias. Ora um dos pastores mais novos resolveu oferecer um chibinho ao santo da sua devoção. Chegada a sua vez na capela, ajoelha e agradece por lhe ter corrido bem o ano.
– Como este ano te portaste bem comigo, trago-te este chibinho.
O pastor esperou resposta, o santo não lhe respondeu, ele insistiu até que lhe disse, perante o mutismo da imagem:
- Não te faças esquisito! Deixo-to aqui atado.
Atou o chibo a um pé do santo e foi-se embora. O pobre do chibo viu-se sozinho na capela e desata a tentar fugir. Tantas voltas deu que acabou por arrancar o santo do altar!
O pastor já ia no seu caminho. De repente vê o chibo a correr com o santo atrelado aos saltos pelo monte abaixo e grita:
– Agarra-te às estevas, mãos de aranha! Primeiro não o querias e agora corres atrás dele!
O chibo e o santo acabaram a correria junto de uma pedra – hoje conhecida por Rochedo de São Cornelho – onde, até aos anos 70 do século passado, os pastores deixavam como oferenda um par de cornos e um talego com alimentos para o Santo Cornelho."
    Em Monsaraz encontramos a Rocha da Noiva (Figura 24) mesmo à frente da Porta de Évora. Uma zona muito alterada pelo caminho onde ainda encontramos ainda partes do afloramento xistoso sobre o qual nasceu a Vila. O caminho desenvolve-se mesmo à volta da nossa Rocha da Noiva. Este Rocha é um pequeno altar regularizado onde ainda conseguimos distinguir uma pia. Deixemos as palavras de Manuel Gato a quem agradecemos a partilha (retirado do Blogue "Monsaraz a Caminhar") :
    "(...) Nesse caso, os referidos carros ficavam, no sopé da Vila, pelo que, todo o pessoal que constituia o casamento, tinha que subir a pé, à exceção da noiva, que, para tal, havia sempre uma azémola (muar ou cavalar) destinado à noiva, que a transportava desde o lugar onde haviam ficado os carros até à tão falada "Rocha da Noiva". A partir dali, todo o séquito entrava na Vila a pé (...)
    Depois os esponsais, todo o pessoal que constituía o séquito regressava até à tal Rocha da Noiva, onde era feito um outro ritual de caracteristicas profanas, a que davam o nome de "os ramos", que mais não era que uma pequena distribuição de bolos e bebida. Só depois se tratava do regresso e também a noiva subia para a referida rocha e montava a dita azémola.
    Muito interessante este relato de um ritual, pedindo sorte ou fertilidade, realizado no altar rupestre da Rocha da Noiva em Monsaraz.
    Almagro-Gorbea e Torres (2015, p.22-23) trazem-nos mais um ritual de fertilidade que envolve atirar pedras:
    "(...) na capela de São Miguel, no castelo de Guimarães, se uma mulher queria saber se ia ter um filho ou filha, atirava três pedras a uma abertura estreita que existia sobre a porta meridional; se alguma das pedras entrava, teria um filho, se não entrasse nenhuma, uma filha."
    O mesmo ritual pensamos ter existido na nossa Freguesia de Santiago Maior no Alandroal onde encontramos a Pedra da Mulher (Figura 25). Este afloramento granitico apresenta uma "fenda" que sempre pensámos representar, por causa do nome e forma, o sexo feminino. Provavelmente terá mais a ver com a tradição de atirar pedras que encontramos em Guimarães. É decididamente mais uma porta para o mundo inferior. Uma Rocha sagrada ligada às mulheres e provavelmente à fertilidade.


Figura 21

Figura 22

Figura 23




Figura 24

Figura 25



Altares

    Outros afloramentos rochosos não apresentam degraus, nem Graffiti Histórico e foram esquecidos pela Toponímia. No entanto lá estão as nossas covinhas. Estas são a única evidência de que estamos perante um Altar, levando-nos a repensar o sitio e a sua envolvência.
As painéis com covinhas dos três exemplos seguintes estão referenciados na Carta Arqueológica do Concelho de Redondo (Manuel Calado e Rui Mataloto 2001).
    Encontramos um primeiro painel muito perto da Ermida de NS da Piedade. Um pequeno afloramento granítico com várias covinhas no topo alinhadas em grupos de três. Associado às covinhas encontramos um pequeno elemento pétreo que parece "nascer" do afloramento. Este "fenómeno" é natural e faz lembrar as pedras parideiras de Arouca. Em redor deste fenómeno foram riscados pequenos "raios" que parecem criar um "soliforme". Outra hipótese é a representação de uma vulva. Um afloramento que parece ter sido transformado em Altar. Provavelmente devido à pedra que "nasce" do seu interior. Quem sabe se a Ermida de NS da Piedade não será reflexo da continuidade do sítio (Figuras 26 e 27).
    Visitamos agora a Quinta do Freixo onde encontramos uma Anta destruída por uma árvore que fez tombar os esteios. Dois destes esteios ainda estão inteiros repletos de covinhas e pias. Um deles está na horizontal e apresenta uma densidade de covinhas e pias que só tem paralelo na Pedra de Santa Ana em Portel. Um autêntico Altar onde encontramos muitas covinhas alinhadas e formando Ideogramas Mágico Religiosos. Quando houver tempo faremos o desenho desta obra de Arte da Arte Rupestre Esquemática. (Figura 28).
    Mesmo ao lado da Ribeira do Calado encontramos a Eira dos Mouros. Aqui temos uma estrutura pétrea muito interessante que pode ter tido uma função ritual (Figura 29). O Topónimo aponta para esse tempo desconhecido e perdido...... o tempo dos "Mouros". O topónimo atribui, à estrutura, uma função práctica de "Eira". Nesta interessante estrutura (15x25m) encontramos uma área central bem regularizada e limitada por blocos de pedra. À volta temos patamares que parecem criar um caminho para a área central. O nosso Altar (175cm x 250 cm) encontra-se na horizontal e alinhado com a área central. Neste Altar encontramos largas dezenas de covinhas (Figura 30). Um Santuário muito interessante.
    Deixamos o Concelho de Redondo e damos um salto a Mourão. Entre a pedreira dos famosos xistos azuis e Fonte da Manivela encontramos várias pias e covinhas (Figura 31 em 2). Perto encontramos um recanto agora submerso pelas águas de Alqueva (Figura 31 em 1). Um afloramento xistoso de onde se destaca um Altar (Figura 32). Surgem covinhas por todo o afloramento, em vários painéis e no Altar propriamente dito. As águas de Alqueva já desgastaram o xisto do nosso altar. No entanto ainda conseguimos observar várias covinhas que formam Ideogramas. Formas onduladas e circulares com as covinhas centrais por vezes mais aprofundadas. Os ondulados são umas das formas que mais encontramos em alinhamentos de covinhas (serpentes?). Num painel próximo (Figura 33) encontramos várias covinhas e entre elas as "cinco chagas de cristo" de que falaremos mais à frente. Muito perto fomos dar com um marco de propriedade ou menir em xisto e com 120 cm de altura (Figura 31 em 3).
    Antes de terminar este ponto sobre Altares gostávamos de relembrar alguns dos Altares referidos neste Post.
- O Altar de S Lázaro (Monsaraz) com várias covinhas. A Ermida foi mesmo construda em cima do Altar e numa encruzilhada.
- O Altar de S Lourenço do Barrocal (Monsaraz) com um interessante ondulado feito de covinhas (Figura 79).
- O Altar de S Cristovão (Monsaraz) que podemos considerar dentro de um Santuário dado a sua dimensão e continuidade. Este apresenta vários painéis com dezenas de covinhas. Na Figura 34 temos em (1) a Ermida de S Cristovão, em (2) a Rocha Sagrada com covinhas, pias, Graffiti Histórico, em (3) uma das Ladeiras que descem de Monsaraz.
- As várias antas que foram usadas como altares em rituais de que ainda há memória e dos quais ficaram as covinhas.
- O Altar da Serra das Pedras I (S Pedro do Corval) com rampa e largas dezenas de covinhas (Figura 35).
    Uma chamada de atenção para a Arte Rupestre do Guadiana que apresenta concentrações de painéis em zonas especificas do rio. Autênticos Altares em Santuários dos quais perdemos memória. Uma interessante paisagem Ritual. Um deles foi descoberto pelo Joaquin Larios Cuello (Figura 36). Encontramos neste Santuário cinco painéis com várias figuras e entre elas as nossas covinhas (Figura 37).
    Os Altares da Religião popular continuaram no mundo medieval e dentro das povoações. Passemos a apresentamos dois exemplos da nossa região: 
- Em Arraiolos encontramos um pequeno Altar encostada à Igreja de NS do Castelo (Figura 38). Um sepultura onde uma estela funerária, com um Pentagrama, foi colocada em lugar de destaque. Na tampa da sepultura encontramos várias covinhas. No parapeito em frente da porta da Igreja temos vários Pentagramas riscados no tijolo. Na escadaria são várias as covinhas embora aqui os Ideogramas se confundam com tabuleiros de jogo. 
- Em Vila Viçosa as muralhas da fortificação medieval são um autêntico muro das lamentações (Figura 39). Com centenas de Ideogramas Mágico Religiosos gravados na argamassa. A maior concentração destes Ideogramas encontra-se diretamente em frente do Santuários de NS da Conceição. Dois casos muito interessantes.

Figura 26

Figura 27

Figura 28


Figura 29

Figura 30

Figura 31

Figura 32


Figura 33

Figura 34

Figura 35

Figura 36


Figura 37

Figura 38

Figura 39






6.1 - Outras Rochas Sagradas


Incubatio

    Aqui na nossa região encontramos a Rocha de Santo Aleixo que faz a fronteira entre os Concelhos de Alandroal e Redondo. Esta Rocha apresenta covinhas que são provavelmente apoios ou degraus não descartando a hipótese de Geofasia. Encontramos também uma interessante "cama" ou abrigo que acomoda perfeitamente uma pessoa. Esta cama não se parece com um abrigo de pastores. Podemos estar perante um ritual de "incubatio" onde se dormia na Rocha e previa o futuro interpretando os sonhos. Dormir nesta cama de pedra podia também fazer parte de um ritual de fertilidade. Existe mesmo o registo etnográfico de uma árvore sagrada, perto da Rocha, com propriedades curativas. Esta Rocha Sagrada foi (re)sacralizada com a construcão, bem perto, de uma Qubba-Ermida de Santo Aleixo.
    Manuel Calado (2013, p.19) traz-nos a lenda da Rocha de Santo Aleixo segundo Irisalva Moita:
    "(...) o santo "apareceu" na cavidade da rocha, onde foi amamentado por uma cabrinha, cujas marcas supostamente subsistem no acesso à dita cavidade. O santo passou depois a residir numa azinheira próxima, cuja raiz tinha virtudes curativas e que, entranto, secou."
    Na Figura 40 temos então a Ermida-Qubba de Santo Aleixo (1) e a nossa Rocha Sagrada (2).
    São várias as grutas naturais ou escavadas na rocha que encontramos na região. Algumas escondem rituais antigos e outras acabaram por se tornar eremitérios. Destacamos o espectacular abrigo da Rocha da Moura na Herdade das Pipas (Reguengos de Monsaraz) onde existe o registo etnográfico de ter sido habitado por um monge. Na Figura 41 observamos o abrigo da Rocha da Moura na Herdade das Pipas. Na Figura 42 temos mais alguns abrigos agora na Serra d'Ossa (obrigado Luis Martins) e no sopé do povoado fortificado do Castelo Velho na Ribeira de Lucefécit.


Figura 40

Figura 41

Figura 42


Rochas Sonoras

    Na Figura 43 vemos um pequeno circulo gravado no xisto, o Santuário do Poio Grande (1), que também é um monte sagrado, e ao fundo a nossa Serra d'Ossa (2). Aproveitamos esta associação fotográfica para partilhar um pormenor interessante. O Poio Grande é também uma Rocha Sonora. Numa das visitas que fizemos ao monumento, e de repente, uma das rochas começou a imitir um som bastante estridente. Uma espécie de assobio provavelmente originado pelo vento ou outro fenómeno que desconhecemos. Esta Rochas Sonoras levam a várias lendas acerca da origem do som. Mouras fiandeiras e alfaiates de que falaremos mais à frente. Na Figura 44 deixamos a foto da Casinha do Alfaiate no Concelho de Redondo. Um abrigo e Rocha Sonora com janela e tudo.


Figura 43

Figura 44



Cavalos

    Aqui na nossa freguesia encontramos outra Rocha Sagrada com o topónimo de Pedra do Cavalo (Figura 45 à esquerda). Fernando Almeida apresenta a hipótese de este topónimo se referir a "fronteira" em fenício. Hipótese que se comprova no que toca ao Concelho de Alandroal como podem ver AQUI. As nossas Rochas Sagradas sendo por vezes referências na paisagem acabam por marcar fronteiras e caminhos. Para a nossa Pedra do Cavalo encontramos um distante paralelo na Rússia (Figura 45 à direita). Por lá construíram uma Ermida no topo da Rocha do Cavalo. Uma Rocha Sagrada da qual ainda há o registo etnográfico de ser um altar para sacrifício. Esta rocha apresenta covinhas onde os peregrinos deixam moedas e recolhem a água.
    Deixamos o interessante relato de Varner (2012, p. 22-25):
    "The island is part of the Priozersky District of the Saint Petersburg region. While the history of the island is sketchy at best it is known that the Karelian people living near the island performed sacrifices on a large granite slab called Horse Rock due to its resemblance to a horses head. (...) A small chapel was erected on top of Horse Rock (...) found several stone cairns on the hill above the stone (...) Finnish sources of the early 20th century referred to th chapel as Pirunkirkko or "Devil's church." (...) There are several natural cupules on Horse Rock wherein pilgrims in the past and continuing today leave offerings of coins. (...) Cup-marked stones have been utilized in much the same manner as holy wells have been. For some reason diseases of the eye were often treated at these sites. Using the ancient transference techniques, individuals would touch their afflicted eye(s) with a coin or salt and then leave the coin or salt in one of the cup-marks—thereby transferring the disease to the stone. Rainwater that collected in the cup-marks was also collected and used to treat diseased eyes".
    Rituais em covinhas de que falámos na primeira parte deste post diretamente associados às nossas Rocha Sagradas.
    Na Figura 46 apresentamos, da esquerda para a direita, mais algumas Rochas Sagradas:
-Uma cama escavada na rocha aqui ao lado em Cheles (Extremadura espanhola).
-A Rocha do Dragão no caminho para S Miguel da Mota (obrigado Wicca).
-A Pedra do Charro que protege o Castelo Velho em Terena.
    Estas suas últimas Rochas no Vale sagrado da Ribeira de Lucefécit no Concelho de Alandroal.

Figura 45

Figura 46



7 - Menires


    A designação de "Menir" nasce com a Cultura das "Grandes Pedras". Um período histórico bastante estudado pela sua monumentalidade e riqueza de espólio das antas. Acabamos por (re)conhecer os menires como parte desta Cultura do Megalitismo. Mas como temos vindo a perceber o culto das pedras é bem mais antigo e sobreviveu até hoje
    Os menires apresentam muitas formas, surgem isolados, em grupo ou associados a variados tipos de estruturas. Podem ser profusamente decorados ou não ter decoração nenhuma. Tendo toda esta diversidade assumiram várias funções ao longo dos tempos. Vamos apresentar menires enquanto Rochas Sagradas provavelmente ligados a rituais de fertilidade.


7.1 - Menires Naturais, Paisagens Rituais e Caminhos


    Várias das nossas Rochas Sagradas são consideradas menires "naturais". Naturais no sentido em que não foram trabalhados pelo Homem. Por vezes estes menires naturais apresentam covinhas ou Graffiti Histórico. Um sinal de que tiveram um papel em alguma cultura. Podem também estar associados a outras Rochas Sagradas ou Altares fazendo parte de uma "Paisagem Ritual". Estas paisagens ainda existem em vários rituais do cristianismo. Nas procissões pelas Ermidas rurais ou, "transportados" para o meio urbano, na forma dos Passos do Senhor. A sobrevivência dos nossos Menires Naturais ao "progresso" também demonstra a sua importância. Vamos lá visitar algumas Paisagens Rituais.

Herdade da Defesa em Santiago Maior

    A Pedra Alçada na nossa Freguesia de Santiago Maior (Alandroal) é um exemplo de uma Rocha Sagrada, Menir Natural ou Geomonumento. Este imponente afloramento granítico com 7 metros de altura e 4 de diâmetro será um dos maiores do Mundo. A erosão separou o afloramento em dois e, segundo a tradição local, a pedra de cima terá sido colocada pela Virgem com o dedo mindinho (obrigado Ti Figueiras). A nossa Pedra Alçada encontra-se numa encruzilhada (Figura 48). Caminhos que provavelmente nasceram tendo como referência este monumento e os rituais a ele associados. 
    Muito perto da Pedra Alçada encontramos um pequeno afloramento granitico com covinhas que formam Ideogramas (Figura 49). Um pequeno altar associado à Pedra Alçada onde se colocavam oferendas (?). 
    A 400 metros de distância está a Pedra Escorregadia. Das Pedras Escorregadia e rituais associados já falámos (Figura 50). Na Pedra Escorregadia da Defesa encontramos algumas covinhas que podem ser resultado da extração de pedra. Por perto ainda encontramos um possível Menir, de pequenas dimensões, tombado debaixo de uma azinheira. Uma Paisagem Ritual muito interessante e bem antiga que merecia ser protegida e valorizada. Infelizmente a Pedra Escorregadia já foi transformada em pedreira. Um problema que afeta muito este tipo de Rochas Sagradas. O granito com poderes de fertilidade está agora na entrada de um Hotel nova iorquino. Se eles soubessem......
    A Pedra Alçada é um bom exemplo de como não damos valor às Rochas Sagradas. Este monumento é provavelmente o mais antigo da região e certamente o maior. Infelizmente não está associado ao Megalitismo e logo é considerado "apenas" como natural ou Geomonumento. Para a população local é bem conhecido e respeitado.
    Na Figura 47 apresentamos a Paisagem Ritual constituída pela Pedra Alçada (3), Altar (4), Pedra Escorregadia (1) e pequeno Menir (2). Esta Paisagem seria mais rica mas infelizmente muitas das barrocas já foram destruídas.

Figura 47

Figura 48

Figura 49

Figura 50



Barrada em Monsaraz

    Damos agora um salto à Aldeia da Barrada em Monsaraz (Reguengos de Monsaraz). Aqui encontramos mais uma interessante paisagem ritual. Perto da Aldeia temos o Penedo Comprido ou Menir do Outeiro. Menir de forma fálica com uma covinha no topo (Figura 52). A 400 metros deste menir lá está mais uma Pedra Escorregadia. Esta pedra tem o "escorrega" picado no granito e ao lado dele um pequeno nicho ou altar. Uma Rocha Sagrada bem humanizada (Figura 53).
    Na Figura 51 temos então uma Paisagem Ritual constituída pelo Penedo Comprido (1), pela Pedra Escorregadia (2), pelo Cemitério (3), pela Igreja da Barrada (4) e o caminho que os une. Rituais de morte e fertilidade mais uma vez ligados.

Figura 51

Figura 52

Figura 53



S Pedro do Corval

    A Rocha dos Namorados em S. Pedro do Corval (Reguengos e Monsaraz) também pode ser considerada um Menir Natural e faz parte de uma Paisagem Ritual. A menos de 200 m da Rocha dos Namorados temos um interessante afloramento granítico que pode ter sido uma Pedra Escorregadia (Figura 55). Infelizmente este afloramento é hoje uma pedreira. No meio de destruição ainda conseguimos identificar pias e covinhas embora algumas delas possam ser naturais.
A Rocha dos Namorados encontra-se num caminho e dista 1 Km (para Este) do Santuário de NS do Rosário e 450 (para Oeste) do Cemitério da Vila de S. Pedro do Corval. Relembramos que nos cortejos fúnebres havia a tradição de parar junto desta Rocha Sagrada. O Santuário de NS do Rosário esconde uma Qubba e vestígios do período romano.
Na Vila protegendo uma esquina, muito perto do Cemitério, encontramos um interessante fragmento de Menir (Figura 56). Este fragmento do topo de um Menir apresenta várias covinhas que formam um padrão ou um Ideograma Mágico Religioso. Estamos perante um "Menir-Altar" e dentro de uma Paisagem Ritual. Pela vila surgem mais fragmentos de menir usados como pedras de montar ou protegendo outras esquinas. Estas reutilizações de Menires em esquinas localizam-se no lado Sudoeste da Vila. A sua localização original não devia de andar muito longe da Rocha dos Namorados.
    Na Figura 54 apresentamos então a Paisagem Ritual de S Pedro do Corval. Esta é constituída pela Rocha dos Namorados (1), a provável Pedra Escorregadia (2), os Menires reutilizados (4), o Santuário de NS do Rosário (5 para Este) e o Cemitério da Vila (3).

Figura 54

Figura 55

Figura 56




Orada em Monsaraz

    Este conjunto fica em Monsaraz, no antigo caminho para Elvas que seguia ao longo do Rio Guadiana. A Paisagem Ritual de Orada é um conjunto formado pela Ermida e Convento de Orada, por um Calvário numa barroca num outeiro próximo e por algumas histórias ligadas ao local. Muito perto temos também a interessante Rocha do Demo.
    Na Figura 57 apresentamos uma planta com a localização do Calvário (1) em relação à Ermida (2) e Convento de Orada (3).
    Na Figura 58 vemos os "encaixes" das cruzes no topo da barroca e uma simulação do Calvário. Na mesma Figura encontramos um paralelo na vizinha Extremadura (Plasencia, Cacéres) no sitio do "Cancho de las Tres Cruces" (retirado de Almagro-Gorbea 2021). Segundo os autores a "Barroca das Três Cruzes" está localizada acima de uma Pedra Escorregadia. Estas duas Rochas Sagradas fazem parte de um conjunto de várias que podem estar dentro de um Bosque Sagrado. Muito interessante.
Em relação ao Calvário de Orada o Isidro Pinto (a quem agradecemos) encontrou o topónimo do sítio num dos seus interessantes estudos sobre Monsaraz. O outeiro onde encontramos a barroca com encaixes é o "Outeiro da Cruz" o que vem confirmar o nosso Calvário. No sítio encontramos também muita cerâmica de construção de período romano.
    Existe uma tradição que liga a Paisagem Ritual de Orada à fertilidade. Num dos nossos Passeio Culturais contaram-me que se uma mulher tiver problemas em amamentar o seu bebé deve ir com sete Marias até ao Convento. No Convento têm que amamentar as respectivas crianças em conjunto resolvendo assim o problema. Encontramos aqui o interesante pormenor do número sete sempre ligado à semana e à Lua.
    Outro registo interessante encontramos no folheto turistico do municipio:
    "Em 1587, um vaqueiro montesarense, de nome Manuel Gonçalves, entregou os seus animais a Nossa Senhora da Orada com o objetivo do seu produto ser empregue na constituição de dotes de casamento para as raparigas órfãs do termo de Monsaraz. Em meados do século XX, a Câmara Municipal ainda inscrevia nos seus orçamentos uma verba destinada para os dotes de casamento das donzelas de Monsaraz. O dinheiro, esse, já não vinha da venda do gado como estipulara Manuel Gonçalves quatro século antes, mas do cofre municipal.".
    À Paisagem Ritual de Orada foi acrescentado o "transplantado" Cromeleque do Xarez. Perto do Cromeleque encontramos um afloramento rochoso com várias covinhas (Figura 59).


Figura 57

Figura 58

Figura 59




Pedra das Cruzinhas

    Damos agora um salto ao Norte para conhecer a Pedras das Cruzinhas (Figura 60, desenhos retirados de Caninas et al 2011). A equipa liderada por João Caninas e Francisco Henriques tem produzido interessantes artigos sobre monumentos e patrimónios que são menos conhecidos ou mesmo "invisíveis". Destacamos o seu trabalho sobre as covinhas, Graffitti Histórico e Rochas Sagradas. O registo da Pedra das Cruzinhas é também muito interessante.
    A Pedra das Cruzinhas localiza-se na fronteira entre os Concelhos de Guarda e do Sabugal e apresenta covinhas, algumas no topo, Graffiti Histórico e um antropomorfo. Esta Rocha Sagrada apresenta uma grande densidade de figuras gravadas. Isto leva os investigadores a pensarem que será algo mais que um marco territorial. Esta densidade representa também uma grande continuidade do ritual realizado no nosso "Altar". Os investigadores referem vários pontos de interesse nas imediações inclusive uma possível mamoa. A Pedra das Cruzinhas parece enquadrada por três espetaculares cabeços (Figura 61, fotos retiradas de Caninas et al 2011). Não muito longe encontramos também o cabeço de S Cornélio. Um tema que já desenvolvemos. Encontramos na Pedra das Cruzinhas um provável Altar enquadrado numa provável Paisagem Ritual.
    Deixamos os palavras dos investigadores acerca da Pedra das Cruzinhas:
    "A densa carga gráfica inscrita na Pedra das Cruzinhas tem de ter outra explicação primordial, talvez fortemente ritual. Seria tentador estabelecer, também aqui, uma periodização dos grafismos, invocando uma antiguidade pré-histórica (tardia) ou proto-histórica para o antropomorfo ictifálico, juntamente com as covinhas (23) situadas no topo da peça, remetendo os restantes cruciformes para momento posterior. Invocar o contexto proto-histórico (24), expresso na rede de povoamento referida no início e na proximidade do sítio (atalaia?) do Cabeço da Figueira, ao qual se acederia passando junto da Pedra das Cruzinhas, também não é fundamento suficiente na atribuição de cronologia proto-histórica ao monumento em apreço." (p.50-51).


Figura 60

Figura 61




Caminhos

    As nossa paisagens rituais encontram-se sempre um lugares estratégicos, em encruzilhadas ou caminhos milenares. O Alentejo é uma paisagem humanizada há milhares de anos. No entanto é difícil caminhar fora dos caminhos agora imaginem no passado. Os caminhos sempre foram a linha de vida e tudo nascia a partir deles. Eram também perigosos e alvo de muitas superstições especialmente as encruzilhadas. Na Figura 62 apresentamos algumas tradições relativas a caminhos que esperamos desenvolver num próximo Post.     Da esquerda para a direita temos:
- Um "Vosisa", pequeno altar votivo protegendo uma encruzilhada em África.
- Um Cruzeiro, desempenhando as mesmas funções apotropaicas no mundo cristão.
- Uma Alminha, marcando o local uma morte trágica. O costume de enterrar os mortos ao longo dos caminhos também é antigo.
- Um "Amilladoiro" que em Portugal tem o nome de "Fiel de Deus". Montes de pedras que representam o ritual de jogar uma pedra a um túmulo. Um Ritual apotropaico que pode "funcionar" de duas maneiras. Para afastar o mal ou pedindo proteção aos deuses dos caminhos. O ritual de atirar uma pedra tem muito que se lhe diga. Colocar pedras em cima uma das outras também parece estar na moda. Um tema vastíssimo e muito interessante que vai ter que ficar para outro Post.
    Na Figura 63 deixamos algumas lajes com covinhas que vamos encontrado por essas azinhagas e frequentemente nas encruzilhadas. São muitas as covinhas que vamos encontrando ao longo dos caminhos. Estas podem estar relacionadas com algumas das funções práticas ou rituais que já descrevemos. Os caminhos são sempre um mundo desconhecido, por vezes perigoso, há que pedir a proteção dos deuses. Os caminhos são também rotas de peregrinação um grande desafio à fé e à sorte. Da India chega-nos a tradição de um caminho ritual marcado por covinhas que os noivos têm que percorrer. Estas covinhas eram por vezes transformadas em candeias. Um costume que encontramos no Alentejo. Em dias de procissão os vasos, que ladeavam as janelas, eram trocados por velas. Tradições antigas relacionadas com o casamento, a fertilidade e o renascer.


Figura 62

Figura 63




7.2 - Menires-Altar


    Grande parte das nossas Rochas Sagradas estão ligadas à fertilidade. Na sociedades tribais contemporâneas grande parte dos rituais também estão ligados fertilidade. Aqui no mundo rural a fertilidade é a primeira preocupação. A fertilidade dos campos, dos animais e humana. Venha água para que a erva cresça e as albufeiras se encham. Ano feliz aquele em que há abundância de azeitona. E não há momento mais feliz do aquele em que vemos filho, pai e avô de volta da mesma tarefa.
    Com o Neolítico o Homem começa um processo de domesticação que continua até aos nossos dias. A mudança no modo de produção leva a mudanças no tipo de sociedade associadas ao crescimento Demográfico. O Homem passa a tentar controlar a Natureza num corte com as tradições mais antigas. Sendo a História feita de migrações é natural pensarmos que a Pré-História também o foi. Vemos então o Neolitico como uma "invasão" de povos com tecnologias mais "evoluidas". Se esta invasão existiu não levou à extinção dos povos autóctones. Como em todas as migrações houve provavelmente uma miscigenação entre uns e outros. Com a Cultura do Megalitismo houve uma re(sacralização) de Santuários mais antigos. Mas as Rochas Sagradas também são "recriadas" no mundo do Homem. Muitos menires são apenas Rochas sem qualquer trabalho do Homem. Mais tarde estes menires começaram a ser trabalhados evoluindo para verdadeiras obras de Arte. Os rituais que envolviam as Rochas Sagradas podem ter continuado. A tradição das covinhas parece ter continuado provavelmente através da Religião Popular. Tudo isto é apenas uma hipótese.......
    Aqui vai um testemunho dos Jesuitas para a importância das Rochas Sagradas nos lares da Estónia segundo Almagro-Gorbea et al (2021, p. 40):
    "En 1601, los jesuitas relatan cómo los estonios “…guardan piedras, no pequeñas, en sus graneros, que están excavadas en el suelo con su superficie lisa hacia arriba y no cubiertas con tierra, sino con paja; las llaman ‘Deyves’ (Dioses) y las adoran religiosamente como guardianes de su cereal y de sus rebaños” y en 1618 dan más precisiones de interés. Adoran como sagradas ciertas piedras que guardan en la cocina, en los almacenes y en los graneros, que en su lengua denominan “lugares salientes”. Para ellos es un pecado terrible profanar estos lugares o que los toque alguien que no sea la persona que tiene el derecho (recibido del poder) supremo. Derraman sobre esas piedras la sangre de los animales que sacrifican y ponen en ellas una pequeña porción de cualquier comida”."
    Manuel Calado (2004, p.165) acerca da anterioridade das Rochas Sagradas em relação aos menires e da re(sacralização) destes lugares sagrados:
    "Com ou sem afeiçoamento, geralmente difícil de confirmar nos granitos, não creio que os afloramentos naturais se devam confundir com os menires. Uma das diferenças tem a ver com a óbvia anterioridade de uns em relação a outros: os primeiros, como elementos proeminentes da paisagem natural, foram provavelmente usados, muito antes da erecção dos menires, como referências espaciais e, eventualmente, simbólicas."(p.165).
    Os monumentos e, dentro desta categoria, os menires, seriam, não só uma forma de domesticação das paisagens – traduzida igualmente na implantação de povoados, abertura de caminhos, desflorestação de campos de pasto e de cultivo - mas, sobretudo, de domesticação dos próprios lugares sagrados. (p.242).
    Os menires assumem várias formas e disposições. Com tal variedade é lógico que tenham desempenhado também várias funções. Nos caminhos rurais ainda encontramos cruzeiros, alminhas e muito mais que já não reconhecemos. Seguindo este raciocínio vamos percebendo que seriam muitas as Rochas Sagradas e Menires pontuando a paisagem. No entanto estes monumentos só recentemente começaram a despertar o interesse dos investigadores. A sua forma também faz com por vezes passem despercebidos especialmente quando tombados. Muitos deles acabaram também por ser retalhados e usados em construções várias. Apesar de tudo isto cada vez surgem mais Menires e Cromeleques. Se continuarmos a olhar provavelmente vamos "ver" muitos mais.
    É lógico assumir que pelo menos uma parte dos menires fossem dedicados à fertilidade. As pedras que saem do mundo interior para fertilizar o nosso mundo. Muitos menires apresentam mesmo uma forma fálica por vezes até com uma covinha no topo. Uma covinha que simboliza o orificio do pénis, a covinha primordial.
    Encontramos covinhas em muitos menires o que levanta o problema da sua cronologia. Vários dos investigadores apontam para que tenham sido feitas nos menires já tombados. Sendo uma tradição posterior ao Megalitismo e provavelmente Calcolítica. Um bom exemplo é um dos menires do Cromeleque dos Perdigões em Reguengos de Monsaraz (Figura 81). Neste menir as covinhas estão claramente alinhadas na superficie horizontal. Isto demonstra que foram realizadas com o menir já tombado. No entanto vamos encontrar outras covinhas que podem ter sido feitas com os menires ainda na vertical. O pode ser uma evidência de uma possível contemporaneidade entre Menires e covinhas. Passamos então a apresentar exemplos de Menires-Altar com covinhas.
    Os Menires-Altar têm o topo plano e nesta superficie horizontal encontramos por vezes covinhas. Vamos apresentar alguns Menires-Altar onde encontramos covinhas que formam Ideogramas Mágico Religiosos. Do simbolismo e paralelos dos Ideogramas falaremos mais à frente. Dois destes Menires-Altar fazem mesmo parte de Cromeleques. Um deles ocupa uma posição que podemos chamar de destaque dentro do Cromeleque.

S. Pedro do Corval

    Voltamos então ao Menir-Altar de S Pedro do Corval. Como vimos este apresenta várias covinhas no topo formando Ideogramas (Figura 64). Um Menir-Altar que "esconde" muita informação. Faz parte de uma Paisagem Ritual ligada à Rocha dos Namorados. Nesta rocha encontramos rituais de fertilidade que sobreviveram até hoje. O nosso Menir-Altar apresenta as covinhas no topo covinhas bem expressivas. Esta serviriam para colocar oferendas / libações ou retirar o pó de pedra. A profundidade destas covinhas representa alguma continuidade dos rituais. As covinhas não são aleatórias representando um padrão ou um Ideograma Mágico Religioso. O facto destas covinhas estarem num menir com uma forma fálica aponta para um ritual ligado à fertilidade. Por um lado existe a possibilidade destas covinhas fazerem parte de uma tradição etnográfica mais recente. Por outro lado a "invenção" de um ritual de fertilidade dentro de religiões monoteístas parece-nos difícil. Será provavelmente um caso de continuidade de rituais antigos dentro da Religião Popular.

Figura 64



Cromeleque do Xarez


    Continuamos no Concelho de Reguengos de Monsaraz e vamos visitar o Cromeleque do Xarez. Levantam-se algumas dúvidas em relação à sua forma única e às mós que o formam. No entanto a maior parte dos seus elementos são efetivamente Menires que fariam parte de um Cromeleque. Alguns destes Menires apresentam o topo plano onde encontramos algumas covinhas. Num deles as covinhas formam um padrão ou um Ideograma (Figura 65, desenhos retirados de Gomes 2002). Varela Gomes identifica uma Espiral neste padrão mas dá-lhe uma função de tabuleiro de jogo. Parece ser realmente uma Espiral mas pensamos que seja um Ideograma Mágico Religioso. Na Arte Rupestre Esquemática as covinhas que formam padrões ou figuras geométricas são geralmente identificadas como tabuleiros de jogo. Um preconceito que tentamos contrariar. Podem seguir a discussão AQUI.

Figura 65




Cromeleque dos Almendres

    Vamos agora a Évora visitar o espetacular Cromeleque dos Almendres. Neste Cromeleque encontramos quatro menires com covinhas. Entre eles temos um Menir- Altar com várias covinhas que formam um padrão ou um Ideograma Mágico Religioso (Figura 66). Pensamos que este Ideograma seja um "Alquerque dos 3". Uma forma muitas vezes confundida com um tabuleiro de jogo. É muito interessante verificar que encontramos uma covinha mais profunda e larga no centro do nosso Ideograma. Encontramos a mesma covinha central noutros monumentos onde surge este Ideograma. As covinhas foram feitas quando o Menir-Altar estava na vertical. A escolha desta localização leva-nos a pensar que foram feitas com o resto do Cromeleque ainda "composto". Só assim se compreende a escolha de uma localização "ideal" (Figuras 67). Raciocínio que nos leva a pensar que as covinhas faziam parte de um dos rituais ligados ao simbolismo do monumento. O nosso Menir-Altar parece fazer parte de um conjunto que forma um "Crescente". Aliás todo o Cromeleque parece ser feito de crescentes que foram sendo acrescentadas ao longo dos tempos. Como Capelas que são acrescentadas em Igrejas cristãs. O nosso menir-Altar parece estar numa dessas capelas que formando um autêntico Altar-Mor (Figura 68). 

Figura 66

Figura 67

Figura 68


    A forma de Crescente que muitos Cromeleques apresentam pode estar ligada a essa deusa da fertilidade que é a Lua. As orientações e alinhamentos dos Cromeleques em relação aos astros batem certo com rituais de fertilidade. A necessidade de compreender a altura do ano para realizar as atividades agrícolas. Os Cromeleques funcionando como "calendários agrícolas" antes das existência do famoso "Borda D'água". Um relógio para a fertilidade da terra e dos animais. Um maneira de conseguir consensos no mundo rural feito de gente muito independente. Um das preocupações da minha Aldeia é "quando" é que o Lagar comunitário abre. Perguntas que eram respondidas no passado indo ao Cromeleque. Observando as posições da Lua em relação aos menires podíamos concordar no "quando".
    Nos Menires-Altar encontramos covinhas realizadas com estes ainda na vertical. Estas covinhas podem ter sido parte de um ritual posterior. No entanto respeitaram o simbolismo dos monumentos. Encontramos mais covinhas no topo de Menires nos Cromeleques dos Almendres, do Xarez e em alguns menires isolados. As covinhas isolados no topo dos menires e a forma fálica de muitos deles apontam para rituais de fertilidade.
    Ainda em relação à possível contemporaneidade entre menires e covinhas apresentamos mais algumas notas:
- Em alguns casos as covinhas foram feitas com os menires tombados mas no topo destes. A continuação da mesma tradição agora com os menires tombados. Apresentamos os exemplos do Menir do Tojal e das Casas 1. (Figura 69 do lado esquerdo, Foto e desenho retirados de Calado 2004).
- Um exemplo interessante será o do Menir do Monte da Ribeira onde as covinhas parecem estar enquadradas por outras formas (Figura 69 do lado direito, desenho retirado de Gomes). Este menir apresenta outro pormenor interessante em relação à localização das covinhas. Estas não estão na zona mais alta do Menir que tem 4.70 m. Como se tivessem sido feitas com o Menir ainda na vertical e na zona onde se chegava com o braço. No topo deste Menir só encontramos a decoração "oficial".
    Resumindo observamos menires de menores dimensões com covinhas no topo e de maiores dimensões com covinhas onde se chegava com o braço. Por um lado a continuação de um ritual associado ao topo dos menires. Por outro lado mais uma evidência de que as covinhas podem ter sido feitas com o menir na vertical.
    Quanto à posição dos menires acrescentamos:
- De notar também que muitos dos menires só apresentam decoração "oficial" de um dos lados. Logo o facto das covinhas só se encontrarem num dos lados não pode servir como prova de terem sido feitas com os menires já tombados.
- Alguns dos menires podiam estar associados a outros monumentos assumindo uma posição "lateral" como vemos nas estelas que rodeiam os monumentos de Newgrange e Knowth. Alguna dos monumentos considerados como menires e postos na vertical provavelmente nunca estiveram nesta posição.
    Quanto à forma fálica dos menires temos que ter em conta:
- São vários os menires com uma forma fálica.
    Destacamos o Menir dos Pombais na Beirã (Marvão). Este menir está numa localização também muito interessante (Figura 70 à esquerda). Dominando visualmente o Rio Sever, em linha com outros menires e marcando uma fronteira milenar (Oliveira 1997).
    Encontramos um paralelo muito interessante no Hawai. O Menir de "Kaule O Nanahoa" ou o "Pénis de Nanahoa" sendo Nanahoa o Deus da fertilidade (Figura 70 ao centro e à direita). Este Menir apresenta uma forma fálica num Santuário onde encontramos também pias e covinhas. O ritual de fertilidade ligado ao menir ainda está vivo. Neste as mulheres com problemas da fertilidade tinham que dormir uma noite encostadas ao Menir (Fotos dos Blogues "New Age Travel" e "Ke Ola").
    Outros rituais de fertilidade ligados a menires, ou Rochas Sagradas em forma fálica, encontramos no trabalho de Almagro-Gorbea et al (2021, p.133-134):
    "(...) Penedo do Pecado de Fornos de Maceira-Dão, cerca de Mangualde, que es una peña natural de granito de forma fálica (...) en la última semana de Cuaresma, justo antes de la Pascua, ante el Penedo do Pecado se sorteaban los emparejamientos de chicos y chicas por insaculación o sortes; las relaciónes duraban un año y si todo iba bien acababa en boda, en caso contrario volvían al sorteo al año siguiente, tradición que debe considerarse de origen prerromano y relacionada con los ritos iniciáticos de primavera. (...) localidad pacense de Alange. En las bodas, tras la ceremonia religiosa, el cortejo nupcial, siempre por el mismo itinerario, se dirigía al Peñón de la Pata del Buey (...) se desarrollaba el baile y “en un momento de la fiesta, los novios desaparecían de la vista de la comitiva y entraban en la oquedad, donde el novio -según otras versiones, era la novia o eran ambos-, miccionaba en presencia de su esposa” (...) poco que sabemos de los complejos ritos que originariamente se celebrarían ante peñas de carácter fálico como el Peñón de la Pata del Buey, la Piedra del Herrero, el Penedo do Pecado y, por supuesto, ante muchos menhires. Igualmente, se puede relacionar estos ritos con la capacidad fecundante de ciertas peñas que tuviera forma más o menos fálica, como los menhires, al frotar contra ella el ombligo, el vientre o incluso los genitales. En algunos menhires de Francia, como en Plouarzel y en otros lugares citados más adelante, los recién casados, tras desnudarse, la mujer por un lado y el esposo por otro, frotaban su vientre contra el menhir, él para tener hijos varones y ella para ser la dueña de la casa."
    Na Figura 71 (à esquerda) observamos menires de forma fálica no Norte da Europa (Milstreu e Dodd 2018, p.7). De reparar que um deles tem o topo coberto de covinhas. A covinha central encontra-se bem mais aprofundada. Faz-nos lembrar vários Ideogramas que encontramos com a covinha central mais aprofundada. Por exemplo no Ideograma do Menir-Altar do Cromeleque dos Almendres. Na mesma Figura 71  (ao centro) vemos o Penedo Comprido perto Monsaraz. Este Menir também tem uma covinha no topo simulando o orifício do pénis. Encontra-se também numa Paisagem Ritual associado a uma Pedra Escorregadia. O mesmo que sucede com a Pedra Alçada de Santiago Maior. Ainda na Figura 71 (à direita) encontramos um Menir fálico desempenhando as suas funções na India de hoje.
    Na Figura 72 apresentamos alguns "Betilos" ou "Onfalos". Pedras Sagradas que são consideradas como pontes para comunicar com os deuses. Na culturas clássicas eram mesmo consideradas o centro do Mundo. Uma clara evolução das nossas Rochas Sagradas e menires enquanto altares. Estas pedras foram trabalhadas e transportadas para o Mundo do Homem. Um Mundo que agora de desenvolve nas cidades e templos. Da direita para a esquerda temos a Pedra de Kermaria da Idade do Ferro (Finistere, França). Nesta pedra encontramos vários ideogramas entre eles a Suástica Gironada que protege hoje a Cidade de Lisboa. Na segunda imagem vemos a Pedra de Turoe (Galway, República da Irlanda) também da Idade do Ferro. Estas duas pedras ainda estão decoradas com ondulados. As últimas dos fotos são de Delfos na Grécia e vemos dois Onfalos. O primeiro, mais simples, tapava um poço divinatório e o outro, mais elaborado, já de período romano.


Figura 69

Figura 70

Figura 71

Figura 72




7.3 - Mouras e Serpentes


    Na Figura 73 temos dois menires da Caramujeira (Desenhos retirados dos trabalhos de Varela Gomes), um dos painéis de Arte Rupestre do Guadiana e uma moeda Grega.
    Os menires da Caramujeira (Lagoa) apresentam uma forma bastante fálica sendo por vezes de cor branca. Algunas deles são decorados com vários"ondulados" verticais que vão do topo à base. A forma, a cor e a decoração fazem lembrar um pénis e o sémen. A esta interpretação gostávamos de acrescentar um duplo significado para o ondulado. Estes ondulados são também chamados de "serpentiformes" na Arte Rupestre. Pensamos que esta decoração represente realmente uma serpente. A serpente está ligada aos mitos de criação de todas as culturas. Um animal que vem do mundo inferior e que renasce todos os anos. Muitas das covinhas podem representar mesmo um portal para esse mundo interior.
    No painel de Arte Rupestre do Guadiana observamos uma decoração muito semelhante à dos Menires da Caramujeira. Este painel faz parte de um pequeno santuário constituído por cinco painéis onde encontramos também as nossas covinhas.
    Na moeda grega encontramos uma serpente enrolada num pequeno menir ou "Onfalo".
    Na Figura 74 vemos outras decorações dos Menires da Caramujeira que interpretamos como pares de serpentes (Fotos de Varela Gomes).
    Encontramos algumas serpentes desenhadas (e ao vivo) no Santuário do Castelinho. Neste Santuário, provavelmente dedicado à fertilidade, encontramos Graffiti Histórico bem interessante. Uma "Moura Encantada" associada a uma cobra (Figura 75). Um Deus-serpente muito semelhante aos Deuses-Serpente de várias culturas por esse Mundo fora (Figura 76).
    Na Figura 77 apresentamos os desenhos de vários menires do Alentejo. Desenhos retirados de várias publicações de Varela Gomes e Victor Gonçalves.. Em todos eles encontramos a nossa "serpente" e muitas vezes no topo do menir. Alguns destes menires também apresentam na sua decoração as nossas covinhas. Noutros Menires encontramos círculos gravados que podem ter o mesmo significado da covinhas. Da esquerda para a direita temos os Menires da Bulhoa, do Barrocal, das Vidigueiras e do Monte da Ribeira todos em Reguengos de Monsaraz. O último Menir faz parte do Cromeleque dos Almendres em Évora. De notar que no Menir da Bulhoa foi acrescentada uma base quando este foi recolocado na vertical. Originalmente a sua decoração podia chegar mesmo ao solo como no caso dos menires algarvios.
    Na Figura 78 apresentamos uma gravação no topo da tampa da câmara da Anta 2 do Olival da Pêga (Reguengos de Monsaraz). Neste observamos uma cabeça em alto relevo, com olhos e tudo, e o corpo em baixo relevo de uma.... serpente. A serpente como animal que renasce todos os anos também no num monumento funerário. Muito interessante.
    Em vários painéis de covinhas alinhadas, ou com sulcos que as unem, parecem formar serpentiformes e espirais:
- Na Figura 79 vemos um serpentiforme construído por covinhas no Altar do Barrocal.
- Na Pedra de Santa Ana encontramos largas dezenas de covinhas (Figura 80). Esta Rocha Sagrada faz parte da tradição ligada ao nascimento da Aldeia de Santana em Portel. Este Altar apresenta uma forma fálica com várias das covinhas alinhadas. Estas formam vários serpentiformes na dircção do topo do falo que aponta para o solo. Uma rocha muito interessante e um exemplo de proteção patrimonial. Os proprietários do terreno construíram uma cerca que a protege e com portões que permitem o acesso ao monumento. Parabéns por protegerem a Rocha Sagrada da Pedra de Santa Ana.
    Outro pormenor interessante verifica-se nos Menires dos Perdigões e do Xarez (Figura 81, desenho do Menir do Xarez retirado de Gomes 2007). Nestes as covinhas estão alinhadas como que criando serpentiformes e espirais até ao topo dos menires. O Menir do Xarez parece-nos ter sido (re)erguido ao contrário estando parte das covinhas agora enterradas.

Figura 73

Figura 74

Figura 75

Figura 76


Figura 77

Figura 78

Figura 79



Figura 80

Figura 81



    As serpentes fazem parte de muitas lendas portuguesas. Estas são muitas vezes Mouras encantadas. Tradições antigas que ficaram gravadas em lendas medievais e na tradição oral. Deixamos as palavras de José Figueiras no Jornal "Tribuna" em "Lendas do Alentejo, uma herança cultural a preservar" (13 de Maio de 2020):
    "(...) Poucas deverão ser as fontes, castelos ou fráguas da região, que não estejam associadas a uma lenda com mouras encantadas. Em forma de serpente ou cobra pedindo ao forasteiro que a desencante ou em forma de donzela que promete riqueza aos que lhe quebrarem o encanto, assim podemos encontrar alguns exemplos de como estas narrativas são uma verdadeira herança pelo nosso território: Lenda da Moura de Alcácer do Sal; Cova da Moura Encantada entre o Castelo de Alter Pedroso e o de Alter do Chão; Lenda do Castelo de Noudar; Lenda da Fonte do Mouro - Beja; Lenda da Moura Encantada da Fonte Fausta - Ferreira do Alentejo; Lenda da Represa da Moura - Grândola; Lenda da moura Salúquia - Moura e Lenda da Cobra Moura do Castelo de Valongo - Évora, entre tantas outras (...)".
    Almagro-Gorbea et al (2012, p. 23-28) trazem-nos uma interessante relação entre "Mouras", por vezes "Fiandeiras, tesouros e até a uma "Velha":
    "(...) En la vecina Portugal, lo mismo que en Galicia, es frecuente que una peña sea la morada de un ser mítico, generalmente una “mora”, aunque también pueda ser un diablo (...) Esta “Vieja” es bien conocida en Galicia y en Bretaña1 y se puede identificar con la Gran Diosa de Irlanda. También se conoce en Portugal, donde las grandes peñas graníticas que llaman la atención habrían sido llevadas por la “moura” o la “Vieja”, que en las tradiciones portuguesas también puede ser la Madre del Diablo (...) procedente de la Diosa Madre del Neolítico, al cristianizarse el mito, suele identificarse con la Virgen María, asociada siempre a su rueca (...) que tomaba la forma de una hilandera mágica que hila hilos de oro, tema muy popular en la mitología celta relacionado con las numerosas Peñas de la Mora existentes en España y Portugal, a menudo asociadas a tesoros de oro (...)Esta mora que hila, generalmente con hilos de oro, es equivalente a la mora que guarda la Peña del Tesoro, pues esa mora -ya que es raro que sea un moro-, es el numen loci que habita en esa peña y cuida los tesoros del Más Allá. (...)
    Manuel Calado (2017) traz-nos alguns Topónimos e Rochas Sagradas onde encontramos Mouras, serpentes e tesouros:
-A Pedra da Moura do Castelão de Rios de Moinhos onde há meia-noite é possível ouvir a Moura encantada a costurar. Um exemplo de uma Moura fiandeira.
- A Pedra da Moura do Pego da Moura onde vive uma Moura encantada. Esta assume a forma de uma cobra que acaba por devorar um pastor que a alimentava com leite de cabra. Lendas que escondem antigos rituais ligados às Rochas Sagradas. Nestas faziam-se libações e por vezes na forma de leite. Oferendas que eram provavelmente vertidas nas covinhas. ligadas por canais, que formam autênticas serpentes ou cobras. Lendas da religião dominante que pretendem afastar as pessoas dos rituais antigos ligados ao paganismo e animismo. Estas Lendas acabam por ter o efeito contrário de preservar na memória um ritual que já esquecemos.
    Noutros locais encontramos histórias de touros pretos e cabrinhas. Animais que seriam sacrificados nas Rochas Sagradas. As palavras de Calado (2017, p.21) sobre estas histórias:
    "A presença, nas tradições etnográficas associadas a esses rochedos, de alguns elementos-chave da simbologia associada a Plutão\Proserpina, nomeadamente a cor negra das oferendas ao S Cornelho ou do Touro que defende o Castelo Velho, assim como as cabras, quase omnipresentes, sugere, ao contrário das crenças da mainstream arqueológica, uma possível sobrevivência de vestígios desse antigos cultos, no imaginário popular."
    No trabalho da Adalberto Alves (2013) encontramos um definição da palavra "Mour"(a) como "Dote" na distante India. Uma definição que bate certo com as mouras fiando fios de ouro. Voltamos a Almagro-Gorbe et al (2021, p.29) que vêm associar a palavra "Moura" aos mortos e espíritos. Uma definição que se adapta também ao contexto:
    "La palabra mora o moura y su equivalente masculino, moro o mouro, se considera derivada de la palabra celta —mrwos, que significa “espíritu”, “muerto”, que deriva a su vez del indoeuropeo —mr-twos, raíz de la que procede la palabra latina mortuus, que significa “muerto”, aunque otros autores suponen que deriva de la palabra celta mahr, que significa “espíritu”, significado relacionado con el anterior semántica y etimológicamente. Por ello, ya desde el siglo XIX, Marcelino Menéndez Pelayo y otros autores comprendieron que los moros y moras del imaginario popular son, en realidad, espíritus de los muertos.
    Na Figura 82 observamos vários "Lingam" na India. Este altar fálico representa para Hinduismo a força criadora do Deus "Shiva" e sai da vulva de "Shakti". O que podemos observar na primeira imagem. Na segunda imagem temos o ritual de verter leite sobre o Lingam. Um dos rituais que provavelmente se realizava nas covinhas ou nos Menires fálicos mais pequenos. Este ritual é provavelmente o que aparece representado nos Menires alentejanos e algarvios na forma de serpente. Na última imagem vemos um ritual semelhante na decoração de um vaso grego. Neste oferece-se grão a um conjunto de falos pedindo aos deuses uma boa colheita.
    Na Figura 83 demos um salto à Serra da Pedras e realizámos um ritual de verter leite num painel de covinhas e canais. Não se preocupem que choveu logo a seguir. Além do espetacular efeito cénico verificámos que o leite descendo pelo canais imita o movimento de uma serpente. Com sangue também seria interessante. Na mesma Figura temos o desenho de covinhas e sulcos formando uma autêntica serpente.
    Na Figura 84, à esquerda, apresentamos um alinhamento de menires fálicos na Arménia. Por lá são chamados de "Vishapakar" que quer dizer "pedras da serpente" (Kar-Pedra, Vishap-Serpente). Na mesma Figura, do lado direito, vemos um templo dedicado à fertilidade e repleto de falos no Peru. Este templo faz lembrar a imagem do vaso grego da Figura 82.
    O tema das Rochas Sagradas relacionadas com Mouras e Serpentes será desenvolvido num próximo Post. Deixamos algumas imagens de serpentes em artefactos "sagrados" desde o Megalitismo até ao Cristianismo (Figuras 85 a 87). Que incrível continuidade.


Figura 82

Figura 83

Figura 84

Figura 85

Figura 86



Figura 87



Obrigado





2 comentários:

  1. Tenho informações importantes relacionadas às imagens 11 e 60. A Figura 11 é uma deusa-mãe em conexão com a cobra, o ícone de triângulo duplo a confirma, assim como as decorações de amarelinha. A figura cruciforme 60 é provavelmente mais velha, tenho muitos exemplos semelhantes. Eu sou francês.

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  2. Ora viva, obrigado pelo comentário. Onde publica os seus exemplos?

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