Monsaraz: Fortificações Abaluartadas e Qubba de S João Baptista - Borderlands Warfare


Figura 1 - "Monsaraz"  do latim "Mons Serratus" ou o "monte em forma de serra".




Introdução
Fortificações Modernas
Fortificações Abaluartadas de Monsaraz
Qubbas.....Escondidas à Vista de Todos
A Qubba de S João Baptista em Monsaraz
Bibliografia


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Introdução
   
    Quando visitamos Monsaraz, A Vila entre muralhas,  acabamos por conhecer apenas um "momento" da sua longa História. No entanto esta Vila da raia alentejana é milenar e esconde muitos "segredos". Monsaraz é uma autêntica máquina do tempo, um farol para toda a região, um exemplo de como a nossa Identidade Cultural pode ser a base da Economia através do Turismo.
    Monsaraz é um povoado fortificado desde a Proto-História como atestam vários artefactos que vão sendo encontrados nas escavações arqueológicas. Dos Romanos ficou o nome em latim "Mons Serratus" ou o "monte em forma de serra", nome que terá sobrevivido na sua forma "arábica" ou seja "Monsaraz". Uma hipótese que levantamos apoiada nos vários "Montserrats" que encontramos por esse mundo fora. 
Do Islão, além do nome da Vila, encontramos também a Qubba de S. João Baptista e vários elementos da fortificação medieval. Dos Judeus encontramos uma Mezuzah numa porta, vários registos da infame Inquisição e uma Judiaria perdida. Debaixo dos nosso pés temos a Vila da água e dos mortos. Grande parte da fortificação é efetivamente da Idade Média. Envolvendo esta  temos um imenso complexo fortificado abaluartado do século XVII. Nos arrabalde de Monsaraz encontramos uma espetacular rede de caminhos conhecidos localmente por ladeiras. Estes levam-nos a centenas de pontos de interesses, Aldeias, Quintas, Fontes, Colmeais, Choças, Alminhas, Cruzeiros, Ermidas, Atalaias, Pedras Gigantes e até à.......Forca.  
    O objetivo deste post não é escrever a História de Monsaraz. Mas como as nossas atividades no Turismo passam cada vez mais por esta Vila queremos retribuir. Este post é uma forma de partilhar pequenas descobertas e algumas hipóteses sobre o passado da Vila. Aquilo a que chamamos os "segredos" de Monsaraz. Queremos também partilhar outros "Patrimónios" menos visitados, porque são menos conhecidos ou porque não estão nos locais mais centrais habitualmente visitados pelos turistas. Esperamos despertar ainda mais interesse por parte dos visitantes prolongando a duração e frequência das estadias. 
    As nossas atividades no Turismo também financiam estudos mais elaborados que encontram neste Blogue. A relação entre Turismo e Investigação é o modelo da nossa Empresa "Go Alentejo". Estamos a estudar o Graffiti que encontramos em Monsaraz. Este Graffiti esconde muita informação riscada  nas paredes do Museu do Fresco, no Castelo, nas ombreiras da portas, nos bancos, no adro das Igrejas. A Qubba de S João Baptista fará parte de outro trabalho sobre religião popular. E são centenas as Qubbas por esse Alentejo fora.         Há 10 anos que observamos Monsaraz e a vista vai apurando. Pelos cafés vamos escutando histórias e tradições. Com os nossos amigos de Monsaraz vamos aprendendo aquilo que os livros não conseguem transmitir. Juntamos um bocadinho da nossa formação, e carreira de 20 anos, em Património, História e Arqueologia e vamos então compreendendo uma Identidade Cultural construída por centenas de gerações que sobreviveu até hoje. A Raia Alentejana é guardiã de um Património que já não existe por essa Europa fora. Infelizmente a maior parte deste Património está ao abandono. Que Monsaraz seja um exemplo a seguir pelo resto do Alentejo. Olhem para Monsaraz e no passado vejam o futuro.



Fortificações Modernas

    A partir do século XV as armas de fogo começam a evoluir rapidamente. Esta forma de "Guerra Ofensiva" torna-se eficaz e nasce o que hoje conhecemos como "Artilharia". Os canhões começam a derrubar os Castelos medievais a um ritmo impressionante. Estes não foram feitos para resistir às balas de canhão. A evolução da Guerra faz-se de invenções e da reação a estas. Foi precisamente o que aconteceu com o surgimento das Fortificações "Modernas" ou "Abaluartadas". Estas são uma complexa evolução da "Guerra Defensiva". Este processo começou em Itália no século XV onde os canhões já causavam estragos. Os Fortes de Vila Viçosa e Evoramonte do século XVI representam um primeiro momento da evolução das Fortificações Abaluartadas em Portugal. Os dois Fortes  destruíram as alcáçovas dos Castelos medievais para dar lugar a fortificações modernas renascentistas. Em Portugal as fortificações abaluartadas são também conhecidas pelo nome de "Vauban". O Marechal Vauban foi um grande mestre francês desta "Ciência" já no século XVII. Foi neste século com a Guerra da Restauração que houve a necessidade de investir na "evolução" das fortificações.  Muitos dos trabalhos são da responsabilidade de Nicolau de Langres. Este foi apenas um dos vários engenheiros da Poliocértica a trabalhar na raia alentejana.  Não podemos deixar de mencionar Elvas como expoente máximo desta "Ciência" em Portugal.  


Figura 2 - Comparação entre uma bala de canhão e uma bala de mosquete.


Évoramonte

Figura 3 - O Forte de Evoramonte nos vídeos de Hélder Afonso a quem agradecemos.


Vila Viçosa


Figura 4  - O Forte de Vila Viçosa num postal antigo e visto do ar numa imagem do Blogue "Rota Turística" a quem agradecemos.


Figura 5 - Nesta montagem podemos compreender como a construção das Fortificações Modernas (a amarelo) cortou a muralha medieval (a branco).

Elvas

Figura 6 - À direita as espetaculares Fortificações Abaluartadas de Elvas agora Património Mundial.  À esquerda alguma da nomenclatura respeitante às Fortificações Abaluartadas no Forte da Graça


Figura 7 - Nomenclatura das Fortificação Abaluartada: 1) Flanco do baluarte - 2) Cortina - 3) Gola do baluarte - 4) Face do baluarte - 5) Linha de defesa - 6) Linha capital do baluarte - 7) Esplanada (perfil) - 8) Caminho coberto (perfil) - 9) Contraescarpa (perfil) - 10) Fosso (perfil) - 11) Refocete (perfil) - 12) Escarpa (perfil) - 13) Caminho de ronda (perfil) - 14) Muralha (perfil) - 15) Parapeito (perfil) - 16) Banqueta (perfil) - 17) Terrapleno (perfil) - 18) Reparo (perfil) - 19) Esplanada - 20) Tenalha composta - 21) Meia-lua - 22) Horneveque - 23) Fosso - 24) Baluarte de orelhões - 25) Revelim - 26) Baluarte regular - 27) Chapéu de bispo - 28) Praça de armas - 29) Caminho coberto - 30) Contraguarda - 31) Cortina - 32) Tenalha - 33) Chapéu de bispo - 34) Coroada - 35) Escarpa. Desenho retirado da Internet.



Fortificações Abaluartadas de Monsaraz


    As Fortificações Abalurtadas de Monsaraz foram construídas no século XVII no contexto da Guerra da Restauração. Os Engenheiros responsáveis pelo desenho foram ​Nicolau de Langres e Jean Gillot.
    Protegendo o lado Norte de Monsaraz foi construído o Baluarte da Vila reforçado pelo autónomo Forte de S. Bento. Mais a Norte e como reforço do Forte temos uma "Obra Avançada". Esta parte da fortificação está escondida pela vegetação. Uma pena pois é bastante interessante e tem grande imponência. Merecia uma limpeza acrescentando assim valor à visita a Monsaraz. Dentro do Forte de S. Bento está a Ermida de S. Bento infelizmente em ruínas. Esta Ermida, em nossa opinião, pode ter sido uma torre de vigia. Protegendo o lado sul de Monsaraz temos o Baluarte do Castelo. Este será uma "Obra Coroada" que envolve a quase totalidade do Castelo Medieval. A Oeste temos o lado mais "escarpado" de Monsaraz que não sofreu grandes obras. Encontramos apenas o Baluarte do Poço do Rei que protege esta Porta, o Poço e a Porta de Évora. A Este de Monsaraz temos então lado mais conhecido onde por vezes estacionamos a nossa viatura. Este lado é protegido pelo Baluarte da Porta de Alcova e pelo Baluarte de S. João Baptista. Estes dois Baluartes são ainda defendidos por dois Revelins que os ligam ao resto da Fortificação. 
   O lado Oeste é pouco "abaluartado" porque existem defesas naturais, uma planície que denuncia a aproximação, não dando abrigo ao inimigo, logo seguida de uma subida muito inclinada. A Sul a Obra Coroada reforça o Castelo medieval criando uma imponente fortificação. É de notar que as Portas da Barbacã e a Porta da Colorquia, Porta principal do Castelo, foram entaipadas. A Norte sucedem-se três "momentos" da Fortificação: Baluarte, Forte e Obra Avançada. Este imenso investimento protege a Porta da Vila e o Arrabalde. A Este o conjunto de Baluartes e Revelins protege o acesso natural a Monsaraz, as Portas da Alcova e do Buraco  "fechando" a Fortificação. 
    Monsaraz encontra-se ainda rodeado por um sistema de Torres de Vigia ou Atalaias. Este sistema é tão antigo como a ocupação de Monsaraz e foi reforçado no século XVII. 
    Muito perto temos a Fortificação Abaluarta de Mourão que apoia  Monsaraz. As duas fazem parte de um sistema de defesa da raia que representa o maior investimento feito pela nossa nação. Um conjunto de fortificações, torres, pontes, caminhos,.... Toda uma logística necessária à manutenção e reparação das fortificações, ao sustento e movimentação das guarnições. Um esforço imenso.
  Monsaraz soube manter as suas Fortificações Abaluartadas recuperando muitas delas. Agora é preciso "amanhar" o resto, criar rotas e informar os visitantes sobre este Património. Tiramos assim os visitantes do centro da Vila, prolongamos a sua visita e damos a conhecer um período da História de Portugal de grande orgulho.
 

Figura 8 - Planta das Fortificações Abaluartadas de Monsaraz por Miguel Luiz Jacob de1755 .



Figura 9 - Comparação entre uma fotografia aérea antiga de Monsaraz (imagem em cima retirada do Arquivo do SIPA) e a atualidade (imagem em baixo). A branco podemos observar como se mantiveram as Fortificações Abaluartadas. Um exemplo de preservação deste importante Património.


Figura 10 - Fortificações Abaluartadas de Monsaraz: 1 - Obra Coroada, 2 - Baluarte da Porta de Alcova, 3 - Baluarte de S João Baptista, 4 - Baluarte da Vila, 5 - Baluarte do Poço do Rei.


Figura 11 -  Fortificações Abaluartadas de Monsaraz: 6 - Forte de S Bento, 7 - Obra Avançada.


Obra Coroada a Sul

Figura 12 - Obra Coroada (foto aérea de Hélder Afonso a quem agradecemos).


Figura 13 - Baluarte central da Obra Coroada.


Baluartes da Porta de Alcova e de S. João Baptista a Este

Figura 14 - Baluartes da Porta de Alcova e de S. João Baptista (fotografia aérea de Multidrone a quem agradecemos).


Baluarte da Vila a Norte

Figura 15 - Baluarte da Vila (fotografia aérea de Hélder Afonso a quem agradecemos).


Baluarte do Poço do Rei a Oeste

Figura 16 - Baluarte do Poço do Rei.


Forte de S. Bento a Norte

Figura 17 - Forte de S. Bento (fotografia aérea de Multidrone a quem agradecemos).


Obra Avançada a Norte

Figura 18 - Obra Avançada coberta de vegetação.


Figura 19 - Obra Avançada.


Figura 20 - Obra Avançada.


Atalaias

Figura 21 - Monsaraz (a vermelho) e algumas das suas Atalaias (a preto).


Figura 22 - Da esquerda para a direita:  Atalaia do Baldio ou da Ribeira (?), Atalaia da Barrada, Atalaia do Gato e Atalaia de S. Gens.




Qubbas .... escondidas à vista de todos

    Uma definição de "Qubba" é difícil pois estas surgem sob muitas formas e têm múltiplas funções. Partimos do princípio que palavra "Qubba" quer dizer "Cúpula" em arábico referindo-se à cobertura em  abóbada de um edifício. Definimos então  Qubbas como edifícios de pequenas dimensões, com apenas uma divisão, protegidas por uma cúpula e com funções religiosas. Na maior parte das  Qubbas as cúpulas são hemisféricas e o corpo é quadrangular. A origem destes monumentos será Islâmica podendo esconder edifícios mais antigos. A tradição que representam é certamente milenar. Enfim um trabalho em construção. 
    A origem das Qubbas perdeu-se no tempo. Os edifícios que vemos hoje passaram por milénios de fenómenos naturais e humanos. O pior destes fenómenos é o abandono a que muitas das Qubbas estão votadas. No entanto não nos parece importante perceber quando foram as Qubbas (re)construídas, se durante o Cristianismo, se durante o Islamismo. Parece-nos importante perceber a continuidade da tradição que as Qubbas representam. Uma tradição que nos chega provavelmente da Pré-História. Porque as necessidades e medos do Homem da Pré-História são os mesmos do Homem de hoje. 
    Os templos que encontramos hoje no Alentejo não são apenas um edifício. São uma manta de retalhos feita de monumentos de diferentes religiões. São uma máquina do tempo onde podemos recuar milénios. Por vezes num mesmo sítio encontramos estruturas Pré-Históricas, Romanas, Medievais, a Qubba e a Ermida. Um sincretismo religioso que também é arquitetónico. Uma enorme riqueza do nosso Alentejo. É redutor pensar que as centenas de Ermidas rurais do Alentejo foram construídas depois da formação do reino de Portugal. Apesar de vários autores encontrarem nas fontes escritas cristãs, origens cristãs para os monumentos. Chama-se a isto uma pescadinha de rabo na boca. Muitas das Ermidas rurais alentejanas podem ter sido Qubbas. Antes de serem Qubbas podem ter sido Martyriums. Antes de serem mausoléus de santos do monoteísmo podem ter sido um lugar sagrado natural. Um lugar onde os deuses estavam mais perto. Um lugar onde podíamos pedir  o seu favor, pedir uma cura, fertilidade, proteção e boa sorte. Um lugar onde foram sepultados os antepassados que partiram para o outro mundo, os nossos protetores, os nossos anjos da guarda. Um lugar onde foi sepultado alguém especial, um homem-santo que faz a "ponte" com os deuses. Estas tentativas de controlar o destino são tão velhas como o Homem.
    Os homens-santos do norte de África acabaram englobados no termo Morábito. Este nome passou a designar o próprio edifício onde viviam e onde eram sepultados. As Qubbas no Norte de África francófano são hoje conhecidas por Morábitos. Na Palestina as Qubbas ficaram conhecidas por Maqam. Um termo que se refere ao Mausoléu ou Santuário de um Homem-Santo. Uma grande variedade de nomes para a mesma tradição e o mesmo tipo de estrutura. O Maqam. o Morábito e nossa Qubba ou Cuba são a mesma tradição em diferentes culturas. Um paralelo que é geográfico e arquitetónico. Podemos até resumir este paralelo na seguinte frase. O Morábito, o nosso homem-santo, habitava a Qubba e quando falecia a Qubba tornava-se o seu Maqam, o seu Santuário.
    As Qubbas são então Eremitérios onde viviam monges ascetas. Estes ganham "fama" e acabam por se tornar homens-santos. Quando estes homens-santos morrem a Qubba passa a ser o seu Mausoléu. Este Mausoléu torna-se um autêntico Santuário. Este Santuário é alvo de romarias e acaba por se transformar numa necrópole, num cemitério. A proximidade destes monges com Deus leva a que o comum dos mortais queira ser enterrado perto deste Santo.


Figura 23 - Alguns "Maqams" da Palestina.

Figura 24 - Alguns "Morábitos" em Marrocos.


Figura 25 - Algumas "Qubbas" em Portugal. 
    

Figura 26 - Qubbas escondidas à vista de todos e em várias formas.



A Qubba de S. João Baptista em Monsaraz


    A Ermida de S. João Baptista localiza-se no Baluarte com o mesmo nome. Mais precisamente na Contraguarda com acesso pelo Fosso.  Várias as pistas apontam para que esta Ermida seja também uma Qubba e provavelmente construída em período islâmico: a sua forma, o seu orago, a sua orientação, a orientação e antiguidade de algumas das sepulturas da necrópole, o nome de uma das portas da Vila de Monsaraz e o facto de não ter sido destruída com a construção das Fortificações Abaluartadas. 
     As Fortificações Abaluartadas de seiscentos são uma obra imensa que afetou o Urbanismo das nossa Vilas e Cidades. Muito teve que ser destruído para dar lugar a Baluartes e Revelins. Em Monsaraz parte da Vila nos arrabaldes foi arrasada para construir os Baluartes da Porta da Alcova, de S, João Baptista e da Vila. No entanto a Ermida de S João Baptista sobreviveu "embutida" na Contraguarda (Figura 29). Uma pequena Ermida fora das muralhas medievais e num lugar que dificulta as manobras de defesa. Isto vem demonstrar a antiguidade e importância deste templo para o povo de Monsaraz. Será provavelmente o templo mais antigo de Monsaraz e decididamente aquele que tem mais tradição.
    O Orago da Ermida é S. João Baptista. S. João pertencia à casta sacerdotal dos judeus Nazaritas. Terá sido um dos primeiros monges ascetas com registo histórico e logo na Bíblia. S. João Baptista o monge asceta convertido ao Cristianismo pelo próprio Jesus Cristo. Não podiam ter escolhido melhor Orago na sacralização de um espaço tão carregado de significado. A escolha deste Orago aponta para uma primeira função de Ermitério da nossa Ermida. Este Ermitério transforma-se num autêntico Santuário com uma  necrópole em redor. Esta ainda é visível em redor Ermida de S João Baptista e ......é bem antiga.
    Em 1996 a Arqueóloga Maria Nunes escavou a área em redor da Ermida com resultados interessantes (Figura 30). Esta investigadora encontrou várias estruturas e entre elas identifica um Templo. Conclui este Templo seria a Ermida original, sendo esta destruída e construída, em período mais recente, a Ermida que vemos hoje (Figuras 31 e 32). Temos que discordar desta hipótese. A autora baseia a antiguidade da Ermida de S. João Baptista na leitura do aparelho construtivo. Não é uma conclusão baseada em artefactos ou na estratigrafia da escavação arqueológica. No seu artigo não encontramos uma relação de "unidades" estratigráficas que permita datar a Ermida que vemos hoje. No entanto é bem possível que houvesse um Templo de período cristão perto da nossa Ermida. Situação que acontecesse em várias outras casos onde se verifica uma cristianização de um lugar sagrado. É interessante verificar o Templo identificado pela autora foi destruído e a nossa Qubba sobreviveu. A nosso ver a conclusão mais importante da escavação foi a descoberta da necrópole que rodeia a Ermida de S. João Baptista (Figuras 33 e 35). Nesta necrópole surgem sepulturas escavadas na rocha que podem ser da Alta Idade Média. Estas estão debaixo da calçada associada à estruturas descobertas e ao possível Templo. São então mais antigas. A investigadora encontra também sepulturas que pela sua orientação podem ser associadas à religião islâmica. Nas sepulturas cristãs o corpo é depositado com os pés virados para Este. Nas sepulturas islâmicas o corpo é depositado de lado virado também para Este. Sepulturas cristãs e islâmicas são perpendiculares entre si. Torna-se assim possível identificar  a religião do individuo sepultado. Surge ainda uma sepultura associada aos Templários portanto já do período da reconquista. Que espetacular continuidade e que interessante registo para a História da Vila de Monsaraz. Deixamos as palavras da Autora acerca da sepulturas islâmicas e  Templária: 
"– O núcleo de 9 sepulturas existente na zona lateral da ermida, com orientação distinta de todas as outras sepulturas visíveis, poderia corresponder a um primeiro momento de ocupação, este sim islâmico. As características funerárias e a cultura religiosa que os sepultados professariam (Torres & Macias, 1996, pp. 32‑35) não são identificáveis, devido ao estado de degradação do substrato rochoso e consequente desagregação do xisto e ainda na ausência de intervenção arqueológica que as comprove; 
– A sepultura existente junto ao alçado SE da ermida seria provavelmente de feição templária: a atestá‑lo, a estela discóide que apresenta a cruz dos Templários (Fig. 10)..." (Nunes, 2013).
    As sepulturas islâmicas são uma das provas mais fortes de estarmos perante uma Qubba (Figura 37). A sepultura Templária é mais uma prova da antiguidade deste monumento. Podemos até associar este monumento à Ermida de S. Miguel da Mota no Alandroal (Figura 36). Aqui também surge  uma sepultura com uma estela Templária. Na escavação foram encontradas várias estátuas e altares de período romano escondidas ou reutilizadas na construção do monumento (Guerra et al. 2003). Isto comprova a sua antiguidade  e continuidade. Estaremos perante mais uma Qubba? Conversa que ficará para outro Post. As sepulturas escavadas na rocha, se forem anteriores ao período islâmico, podem ser associadas de um cristianismo primitivo. Isto faz-nos repensar a origem das nossas Qubbas. Muito interessante.
        A Toponímia é uma importante fonte histórica. Por vezes  o nome de um cabeço, ou mesmo de uma rua, é única pista para um passado perdido. Em relação à Ermida de S. João Baptista temos uma importante prova da Toponímia. Muito perto da Ermida temos a "Porta da Alcova" na cerca medieval (Figura 38). Um nome de raiz arábica composto pelo artigo "Al", artigo que surge em tantas palavras portuguesas de origem árabe. Deixamos o exemplo mais conhecido que é o "Algarve" ou "Al-Gharb". Temos então "Al-Cova" ou "Al-Coba", a "Porta da Qubba" ou a Porta que "dá para a Qubba". Um bom exemplo deste Topónimo como pista para a localização de uma possível Qubba é "Alcube". A Ermida de S. Pedro de "Alcube" em Setúbal pode ter sido uma Qubba. São vários os Topónimos que identificam possíveis Qubbas: Alcoba (Cidade Real), Alcobaça, Alcobaça (Melgaço), Alcobia (Sertã), Alcudia (Baleares)..... são mesmo muitos.
    A forma da Ermida de S. João Baptista, corpo quadrangular e cúpula hemisférica, é outra evidência da antiguidade da sua construção. Esta forma tem paralelos por toda a Península Ibérica, no Norte de África e Médio Oriente. Uma tradição que será comum a todo o mediterrâneo (Figuras 23 a 25). Na Ermida de S João Baptista foi construída uma parede onde encaixa a porta. Este acrescento deu uma forma retangular à Ermida que em tempos podia não ter sequer paredes. A abóboda seria sustentada por quatro arcos como os "Tetraporticus" romanos. Encontramos esta forma em várias das Qubbas do nosso Alentejo e vizinha Extremadura.
     A orientação da Ermida de S João Baptista é também uma pista para a sua antiguidade (Figuras 39 a 43). Apresenta uma orientação SE que é comum a muitas outras Qubbas. A nossa Ermida pode estar "virada" para a Meca ou pode ter a mesma orientação da "Kaaba". A Kaaba, localizada na cidade de Meca, é o Templo mais sagrado para o Islão. De forma quadrangular é o maior centro de peregrinação do Mundo e provavelmente  mais antiga que o próprio Islão. A Kaaba guarda a "Pedra Negra" que caiu dos céus  e está orientada pela estrela "Canopus". Esta estrela é uma das mais brilhantes do céu sendo usada na navegação desde sempre. Tradições antigas que juntam o mundo celestial ao mundo terreno. Os Templos que encontramos dentro da cerca Medieval de Monsaraz têm orientações diversas. Nenhum deles tem uma orientação SE. Estão inseridos numa malha urbana mais recente. Fora da cerca medieval encontramos uma orientação semelhante na localização provável da Ermida de S. Bartolomeu. Esta Ermida já desapareceu mas a orientação do edifício que vemos hoje é SE. Esta Ermida também estava rodeada por uma necrópole de sepulturas escavadas na rocha (Figura 48). Temos que procurar a Qubba escondida no largo de S Bartolomeu. Um pormenor interessante esconde a Cisterna da Vila muito perto da Ermida de S João Baptista (Figuras 44 e 45). No seu interior vemos alguns muros com a orientação semelhante à da nossa Ermida. Infelizmente desconhecemos se foram resultado de uma escavação ou se sobreviveram à construção da cisterna no Século XV. Na tradição oral diz-se que são os muros da antiga Mesquita. Ainda há muito para descobrir em Monsaraz. 
 A localização da Ermida de S. João Baptista é duplamente interessante. Como vimos acima porque está no meio de uma necrópole como acontece com tantas Qubbas. Interessante também porque está num caminho (Figuras 46 e 47). Saindo da Porta da Qubba descemos até à Ermida de Santa Catarina e daqui até uma antiga passagem do Rio Guadiana no Porto das Carretas. Este caminho continuava para SE por terras de terras hoje espanholas até Córdova e Granada. Esta rota milenar é muito interessante sendo o Porto da Carretas também um Povoado do Calcolítico. Esta passagem do Rio Guadiana continuou guardada até ao século XVII  por Atalaias e por um pequeno Forte hoje desaparecido (Figura 51). A Ermida de Catarina esconde vários segredos (Figura 50).  O seu Orago e forma apontam para que tenha sido construída pelos Templários. É uma Ermida fortificada protegendo uma via antiga. No seu interior encontramos uma Marco Miliário. Um "fóssil director" para identificar Vias Romanas. Esta Ermida foi saqueada e o Altar completamente destruído e seu lugar ficou um buraco. Esta escavação ilegal pôs à mostra uma estrutura circular. Esta estrutura não é uma fundação mas uma Ermida anterior. Muito interessante. As escavações ilegais saquearam também uma nécropole que rodeia a Ermida de Santa Catarina original. O nosso caminho não termina em Monsaraz e continua para NO. Voltamos ao caminho que caminho segue para Évora pontuado por Qubbas escondidas em Ermidas, Santuários e Montes. Descendo de Monsaraz pela Porta de Évora encontramos a Ermida de S. Sebastião. Antes de chegarmos a S. Pedro do Corval encontramos o Santuário de NS do Rosário. Continuamos para a Ermida de NS da Caridade. Entre esta e Évora encontramos um Monte com um nome muito interessante. O "Monte da Mesquita" esconde uma Ermida que também foi Qubba (Figura 52). Localizámos esta Qubba em 2015 procurando o hipotético caminho até Évora. Localizado o Topónimo na Carta Militar e a Cúpula no Google Maps fomos ao terreno confirmar a existência do monumento. Verificou-se que é uma provável Qubba e confirma-se o nosso hipotético caminho. Este passa ainda pelo famoso Santuário dos Perdigões e várias Vilas Romanas. Muito interessante  
   São várias as pistas que apontam para a antiguidade da Ermida de S. João Baptista. Esta pode ter sido uma Qubba ou até um Mausoléu cristão na Alta Idade Média. Estas pista ganham "força" em conjunto. Algumas delas podem ser o que se chama em tribunal de "provas circunstanciais" no entanto outras são bem fortes. Destacamos então os Topónimos da Porta de "Alcova" (ou Alcoba). Destacamos a forma e orientação da Ermida. Destacamos a localização da Ermida numa necrópole bem antiga com sepulturas de período islâmico. Concluímos que a hipótese da Ermida de S. João Baptista ser uma Qubba apresenta uma grande percentagem de veracidade. 
   Este "canto" de Monsaraz onde se localiza a Ermida de S. João Baptista guarda muitos "segredos". É  extremamente importante a nível histórico para compreender as várias ocupações de Monsaraz. É também um importante ponto de interesse a nível turístico, Servindo para tirar os turistas do centro da Vila aumentando assim duração e qualidade da visita. A Ermida podia estar aberta, protegida por gradeamento, de maneira a que os turistas possam observar os espetaculares frescos (Figuras 53 a 55). Esta canto de Monsaraz merecia um maior destaque com mais informação no local. Visitem que vale bem a pena. Obrigado.

Figura 27 - Ermida - Qubba de S João Baptista em Monsaraz.



Figura 28 - A Qubba de S João Baptista em fotos antigas retiradas da página do Facebook "Monsaraz com História" e da exposição patente no Museu do Fresco.


Figura 29 - A Qubba de S. João Baptista "absorvida" pela Fortificação Abaluartada. A - Baluarte, B - Fosso, C - Qubba, D - Contraguarda, E - Escadaria para a Contraguarda (?).


Figura 30 - 1 - Escavação Arqueológica, 2 - Qubba, 3 - Área da Necrópole.


Figura 31 - As estruturas postas a descoberto pela escavação arqueológica. À esquerda a possível Ermida e à direita a calçada.


Figura 32 - Espetacular reconstrução tridimensional das estruturas encontradas na escavação e hipotéticos edifícios (Retirado de Nunes, 2013).


Figura 33 -  Sepulturas ainda visíveis em redor da Ermida de S. João Baptista: A - Sepulturas cristãs que se prolongam debaixo da calçada, B - Sepulturas cristãs destruídas pelo fosso da Fortificação Abaluartada, C - Sepultura islâmica.


Figura 34 - Sepulturas em A na Figura 33.


Figura 35 - Sepultura em A e B na Figura 33.


Figura 36 - À esquerda  o desenho da estela funerária, provavelmente Templária, encontrada perto da Ermida de S. João Baptista na escavação arqueológica (retirado de Nunes, 2013). Ao centro vemos uma sepultura, com o mesmo tipo de estela, na escavação arqueológica em redor da Ermida de S. Miguel da Mota no Concelho de Alandroal. À direita estão as estatuetas, de período romano, encontradas enterradas nas ruínas da Ermida de S. Miguel da Mota. Fotos retiradas de Guerra et al. (2003)



Figura 37 - Sepultura em C na Figura 33.




Figura 38 -  Relação entre a Porta de Alcoba e a Ermida de S João Baptista.



Figura 39 - Orientações dos Templos de Monsaraz: 1 - Igreja da Misericórdia, 2 . Matriz de NS da Lagoa, 3 - Capela de S. José, 4 - Igreja de Santiago, 5 - Ermida de S. João Baptista, 6 - Ermida de S. Bartolomeu (?), 7 - Orientação da Necrópole da Ermida de S Bartolomeu, 8 - Ermida de S Bento. Só a Ermida de S. Bartolomeu tem uma orientação próxima da Ermida de S. João Baptista. A Necrópole de S Bartolomeu apresenta uma orientação que podemos chamar de cristã. Esta orientação é ligeiramente diferente da orientação da Necrópole cristã da Ermida de S. João Baptista.



Figura 40 - Da esquerda para a direita. Orientações da Ermida de S João Baptista e da Kaaba em Meca. Planta da Kaaba e suas relações com o movimento celeste. Elementos relativos à Kaaba retirados da Internet. 



Figura 41 - Localização da Ermida de S. João Baptista e da Kaaba no globo terrestre.




 
Figura 42 - Orientações de alguns Templos dos arrabaldes de Monsaraz, da esquerda para  a direita: Ermida de S. João Baptista, Ermida de S. Cristóvão, Ermida de S. Lázaro, Ermida de S. Sebastião, Ermida de Santa Catarina e Ermida de s Bartolomeu (?). Todas apresentam uma orientação semelhante.



Figura 43 - Orientação de alguns Templos que pensamos serem Qubbas. Da esquerda para a direita:
S. João Baptista em Monsaraz, Santa Margarida em Évoramonte (a capela "inacabada"), NS das Neves em Ferreira, NS de Capelins, Castelo de Valongo em Valongo.



Figura 44 - Cisterna da Vila e estruturas "escondidas".
   
 

Figura 45 - A vermelho a Cisterna da Vila (A) e as estruturas descobertas na escavação arqueológica (B). A amarelo temos as estruturas "escondidas" dentro da cisterna (C) e a Ermida de S. João Baptista (D). Estas últimas apresentam aproximadmente a mesma orientação.  


Figura 46 - À esquerda vemos o caminho do Rio Guadiana até Évora: 1 - Évora, 2 - Monte da Mesquita, 3 - Ermida de NS da Caridade, 4 - Santuário dos Perdigões,  5 - Santuário de NS do Rosário, 6 - Ermida de S. Sebastião, 7 - Ermida de S. Cristóvão, 8 - Monsaraz, 9 - Ermida de S. João Baptista, 10 - Ermida de S. Bartolomeu, 11 - Ermida de Santa Catarina, 12 - Porto das Carretas (travessia do rio e Povoado Pré- História). À direita observamos como as Ermidas marcam os caminhos a partir de Monsaraz. De notar que os caminhos seguem o relevo e os locais onde é mais fácil atravessar os acidentes naturais. Nunca são uma linha reta. No entanto o caminho até Évora anda muito perto das estradas alcatroadas de hoje. Em Monsaraz os caminhos que saem da Vila, conhecidos por "Ladeiras", também acompanham o relevo. Serpenteiam a encosta de maneira a combater a inclinação do afloramento rochoso de xisto que é Monsaraz.




Figura 47 - Da esquerda para a direita temos a Ermida de S. Bartolomeu vista da Necrópole, a Ermida de S. Sebastião e a Ermida de S .Cristóvão, todas nos arrabaldes de Monsaraz.


Figura 48 - Necrópole de sepulturas escavadas na rocha associada à Ermida de S. Bartolomeu. Esta necrópole foi escavada por Mário Varela Gomes em 1992. O Arqueólogo escavou largas dezenas de sepulturas mas não conseguiu determinar o período da necrópole


Figura 49 - Tampa de sepultura que descobrimos reutilizada no "Curro". Este está adossado ao Castelo medieval que também é Praça de Touros. Esta tampa pode ter pertencido a uma das sepulturas que temos vindo a falar 


Figura 50 - Ermida fortificada de Santa Catarina que guarda um Marco miliário de período romano. No seu interior observamos o buraco aberto no lugar do altar. Neste buraco conseguimos perceber uma estrutura mais antiga e circular (nas fotos da direita).



Figura 51 - Interessante mapa antigo  onde podemos observar, com o número 14, uma pequena fortificação protegendo a passagem do Rio Guadiana no Porto das Carretas.


Figura 52 - Da esquerda para a direita temos as Qubbas "escondidas" no Monte da Mesquita, na Ermida de NS da Caridade e no Santuário de NS do Rosário. Estas pontuam um caminho ancestral do Rio Guadiana até Évora.



Figura 53 - Frescos da Ermida de S. João Baptista.



Figura 54 - Frescos da Ermida de S João Baptista.



Figura 55 - Fresco da Ermida de S João Baptista.




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