Covinhas e Rochas Sagradas I Parte - Folk Religion

Figura 1



Índice

I Parte
1 - Introdução
2 - Como identificar as Covinhas?
3 - Para que servem as Covinhas?
3.1 - Encaixes, Suportes e Degraus
3.2 - Pilões, Mós e Mineração
3.3 - Tabuleiros de Jogo
4 - As Covinhas como parte de um ritual
4.1 - Geofasia
4.2 - Litofones
4.3 - Recipientes
4.3.1 - Rochas Sagradas e Água Podre
4.3.2 - Libações e Oferendas
4.3.3 - Sulcos e Canais
4.3.4 - Candeias e Velas
4.3.5 - Etnografia e Toponímia
5 - Origem, Antas-Templos e Rituais de Morte
5.1 - Altar e Sepultura com Covinhas na Serra das Pedras

II Parte (LINK)
6 - Rochas Sagradas e Rituais de Fertilidade
6.1 - Pedras Escorregadias
6.2 - Pedras da Lua
6.3 - Altares, Namorados e Cornos
7 - Menires
7.1 - Menires Naturais, Paisagens Rituais e Caminhos
7.2 - Menires-Altares, Mouras e Serpentes

III Parte (em construção)
8 - As Covinhas enquanto Representação
8.1 - Mapas e Constelações
8.3 - Fertilidade e o Sagrado
9 - As covinhas enquanto Ideogramas Mágico Religiosos
9.1 - Altares
9.2 - Olhos dos Deuses
9.3 - Celtas
9.4 - Cruzes
9.5 - Chagas de Cristo
9.6 - Rosetas
9.7 - Adivinhação
9.8 - Nine Holes
9.9 - Padrões
9.10 - Serpentes
9.11 - Espirais
10 - Bibliografia


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1 - Introdução


    Neste Post vamos fazer uma pequena introdução ao tema das "covinhas" e Rochas Sagradas. Aqui na Raia alentejana as covinhas surgem em centenas de sítios desde a Pré-História até aos nossos dias. São tema de estudo desde a Arte Rupestre até ao Graffiti Histórico. 
    Vamos analisar alguma interpretações das covinhas tendo em conta que estas podem ter tido várias funções num mesmo tempo ou ao longo dos tempos. Sempre que possível vamos apresentar exemplos da nossa região para suportar as várias interpretações. 
Dentro das nossas interpretações gostávamos de destacar as covinhas enquanto Ideogramas Mágico Religiosos desempenhando funções divinatórias, votivas, (re)sacralizantes ou apotropaicas. Ideogramas que se "escondem" nas nossas covinhas e ainda hoje protegem pessoas, famílias, edifícios e até nações. 
As covinhas surgem também em rituais de morte e vida dentro da cultura do Megalitismo acompanhando o Homem nos seus ciclos de eterno retorno. 
    As Rochas Sagradas são outro tema muito vasto. Estas rochas têm um papel importante em rituais de fertilidade. São Menires, "naturais" ou não, Pedras Escorregadias, Pedras de Namorados, Pedras da Lua e Altares. Em muitas destas Rochas Sagradas encontramos as nossas covinhas. 
    Apresentamos então "algumas" das interpretações das nossas covinhas: encaixe de estruturas várias; suportes de recipientes ou frutos; mós de cereais ou minerais; tabuleiros de jogo; como recipiente para misturar ou produzir vários tipos de compostos; como instrumento musical, como recipiente para vários tipos de oferendas ou libações de carácter votivo; (re)sacralizando sítios sagrados; marcando caminhos ou fronteiras; como mapas de territórios ou constelações; como calendários; como letras ou números; como forma de Arte; representando serpentes, hóstias, olhos, o sagrado, cometas, estrelas, a Lua ou o Sol; como Ideogramas Mágico Religiosos ou Fórmulas Mágicas...........ufa ufa.



2 - Como identificar as covinhas?

    Pois não é tarefa fácil. As nossas covinhas ganham o nome de "cupule" do latim, "cup marks" em língua inglesa, "fossetes" em francês e "cazoletas" em castelhano. De uma forma geral as covinhas apresentam uma forma circular e são hemisféricas portanto com o fundo côncavo. No entanto também podem ter os lados verticais e os fundos planos sendo assim mais fácil distingui-las de formações naturais. Quando as formas são irregulares temos que observar outras "variáveis" de que falaremos mais à frente. Tendo em conta a nossa experiência a medida média para as covinhas varia entre os 3-10 cm de diâmetro e os 2-5 cm de profundidade. Na maior parte dos casos surgem na horizontal, também são frequentes em planos inclinados, por vezes surgem na vertical e até no....tecto. Encontramo-las isoladas ou em conjuntos que podem ter  centenas de covinhas. Por vezes surgem associadas a "sulcos" ou pequenos canais que as ligam. 
    As covinhas fazem parte da Arte Rupestre esquemática mas devido ao sua frequência e complexidade deviam de ter uma categoria própria. Na Arte Rupestre e Graffiti Histórico as covinhas surgem sozinhas, associadas a várias outras gravações ou formam Ideogramas. Podemos também fazer o paralelo entre covinhas e os "pontos" que surgem pintados ou gravados em vários artefactos das Artes decorativas. 
    Podemos encontrar várias formações naturais que se confundem com as nossas covinhas. Estas são resultado da erosão das rochas pelos elementos. Na Figura 2 temos covinhas naturais resultantes da erosão pela água, no granito e no xisto, e as famosas pedras parideiras. Na Figura 3 encontramos várias marcas antrópicas que não enquadramos nas nossas covinhas. Marcas de impacto resultantes de trabalhos ocasionais usando a pedra como suporte, marcas acidentais ou.....marcas de tiros. Estas marcas são de pequenas dimensões, disformes e aleatórias. Na mesma Figura encontramos também marcas dos trabalhos de corte da pedra.
    O reconhecimento de uma técnica na construção das covinhas é por vezes possível sendo uma forma de distingui-las de formações naturais. As principais técnicas são a "picotagem" e a "abrasão". Picava-se a pedra com artefactos de pedras mais duras ou com artefactos metálicos. De seguida alargava-se e aprofundava-se a covinha com ajuda da água e usando uma variedade de objetos. Na Fonte das Bicas no Alandroal era passatempo do gaiatos aprofundar as covinhas com o que houvesse à mão (Figura 25 à esquerda). Até com caroços se raspava o mármore. Obrigado pela informação António Galhardas.
    Encontramos muitas outras formas realizadas com "picotagem" com destaque para vários tipos de círculos. Na Figura 4 apresentamos alguns exemplos desta técnica na Arte Rupestre do Guadiana (fotos de Baptista e Santos 2013). Na Arte Rupestre surgem por vezes círculos em baixo relevo que podem ser confundidos com as nossas covinhas. Na Figura 5, ainda no Guadiana, apresentamos a espectacular descoberta de Joaquin Larios Cuello também picotada.
    Os picotados continuam no Graffiti Histórico formando por vezes os vértices de tabuleiros de jogo ou Ideogramas Mágico Religiosos. A picotagem no Graffiti pode ser muito elaborada criando formas muito interessantes em alto ou baixo relevo. Na Figura 6 vemos um dos painéis da Serra das Pedras em Reguengos de Monsaraz. Na Figura 7 apresentamos Cruciformes picotados em ombreiras de mármore em Vila Viçosa criando alguns interessantes baixo relevos. Na mesma Figura à direita uma grande trabalho de picotagem em Borba. Estas representações entram no campo dos Ideogramas Mágico Religiosos de que falaremos mais à frente.
Para distinguir as nossas covinhas antrópicas das covinhas "naturais" podemos usar o "cruzamento" das seguintes  variáveis:
- As covinhas antrópicas são mais simétricas na forma enquanto que as covinhas naturais serão mais disformes.
- As covinhas antrópicas surgem muitas vezes em padrões. Damos como exemplo os Tabuleiros de Jogo ou Ideogramas Mágico Religiosos.
- A localização de covinhas em caminhos, fronteiras e templos também leva a uma interpretação antrópica. Esta é reforçada pela associação a Ideogramas Mágico Religiosos e outras representações. Dos Ideogramas reconhecidamente Mágico Religiosos damos como exemplo Cruciformes, Pentagramas ou Rosetas Hexapétalas. Esta associação é muito interessante pois representa a imensa continuidade da Religião Popular. A nosso ver esta continuidade é mais importante do que a própria datação. Por vezes tentamos datar sítios, que são um continuo, através da cultura dominante. O "período romano" é um excelente exemplo. A nossa tentativa de compreender o passado leva-nos a criar realidades que nunca existiram enquanto ignoramos outras que ainda estão bem vivas e escondidas à vista de todos.
- A localização das covinhas no "suporte" pode ser uma evidência antrópica. Quando surgem em sítios pouco ou nada sujeitos a fenómenos atmosféricos. Quando surgem concentradas em pequenas áreas do suporte. Quando no meio de várias rochas semelhantes na composição apenas uma apresenta covinhas. Quando encontramos uma covinha isolada bem definida.
- Noutros casos encontramos várias covinhas sendo uma delas mais larga e profunda. Pode até apresentar uma localização central dentro do conjunto. Decididamente uma evidência de uma covinha antrópica que até nos pode dar pistas acerca do próprio conjunto. Alguns dos Ideogramas Mágico Religiosos que encontramos têm a covinha central maior ou mais aprofundada como vamos ver mais à frente.

Figura 2

Figura 3

Figura 4

Figura 5


Figura 6

Figura 7



3 - Para que serviam as covinhas?

"There are nearly as many attempts to interpret the cup-marks as there are cup-marks themselves" (Goran Burenhult 1979)

    As rochas onde encontramos as covinhas são muitas vezes Sagradas e podem ter visto povoados, caminhos e fronteiras nascer em seu redor. Torna-se assim muito difícil associar as covinhas a um período histórico. O enquadramento cronológico terá que ser visto caso a caso. Este Post é uma tentativa de "apresentar" o tema das covinhas diferenciando algumas funções. Sendo as covinhas multifuncionais e durando milénios torna-se uma tarefa complicada. A mesma covinha ou conjunto de covinhas pode tido diferentes usos que podem ter mudado ao longo dos tempos. Mas vamos a isso começando por algumas funções mais "práticas".



3.1 - Encaixes, Suportes e Degraus


Encaixes

    Perto de montes e estruturas arquitetónicas vernaculares encontramos vários "encaixes". A maior parte são quadrangulares de dimensões razoáveis e surgem na horizontal. Estes encaixes suportavam várias tipos de estruturas e diferenciam-se bem das nossas covinhas. Outros deste "encaixes" são autênticos buracos de poste. Nestes enfiavam-se postes que suportariam uma qualquer estrutura. Estas estruturas em "negativo" são circulares, horizontais e com alguma profundidade. Ainda as conseguimos diferenciar das covinhas. No entanto os nossos encaixes podem ser circulares e de pequenas dimensões surgindo nas mais variadas posições. Neste último caso já não conseguimos distinguir das nossas covinhas. Temos então que considerar que as covinhas podem ter servido como encaixe para algumas estruturas. O melhor exemplo são as covinhas formadas pelos encaixes dos rodizios, de portas e janelas por exemplo, que encontramos em várias estruturas da Arquitetura Vernacular (Figura 8).
    Na Figura 9 temos os encaixes horizontais de forma retangular que surgem no cabeço ao lado do Convento de Orada no Concelho de Reguengos de Monsaraz . Pensamos que estes três encaixes podem ter suportado cruzes formando um Calvário. O topónimo deste cabeço será mesmo "Alto da Cruz" o que vem confirmar a nossa hipótese. Gostávamos e agradecer ao investigador Isidro Pinto a partilha deste topónimo.
    Na Figura 10 apresentamos buracos de poste escavados na rocha que encontramos no trabalho de Rabal Suara e Castelón Porcel (2017).
    Na Figura 11 apresentamos o altar do Santuário da Rocha da Mina no Concelho de Alandroal. A seta do lado direito marca um encaixe ou pia quadrangular. A seta do lado esquerdo indica o poço onde vamos encontrar encaixes verticais circulares. Na mesma Figura do lado esquerdo temos outro encaixe retangular que surge no Moinho da Rocha da Mina. Este apresenta a particularidade de ter duas covinhas associadas. Na Figura 12 temos então os encaixes verticais, ou buracos de poste, do poço do Altar da Rocha da Mina.

Suportes

    Uma outra função prática para as nossas covinhas é a de "suporte". As covinhas podem ter servido para suportar vários tipos de recipientes ou até artefactos. Um bom exemplo é o fundo das ânforas de período romano (Figura 13 à esquerda). Em alguns poços e fontes encontramos pequenas pias que serviram de suporte para as vasilhas de água (Figura 13 à direita).
    Ainda como suporte as covinhas podem ter servido para "segurar" frutos de casca dura. Uma maneira prática de partir a casca de uma noz poupando os dedos de uma martelada.
    Horn (2015, p.33) refere a possível associação entre alguns artefactos e as covinhas no Reino Unido:
    "The same could be said for the compositions of cups and rings on the British Isles. From here comes evidence that cupmarks could have been used as receptacles for stones or round objects of other materials. Chalk and stone balls have been discovered in Loughcrew cairn L. It has been argued that these may have been repeatedly inserted into the cupmarks (Conwell, 1866: 368–369; McMann, 1994: 28)."

Degraus

    Algumas covinhas surgem alinhadas, por vezes alternadamente, em afloramentos rochosos com alguma inclinação. Estas depressões tinham a função de degraus facilitando a subida às rochas. Na Figura 14 apresentamos dois exemplos de Rochas Sagradas com degraus retirados de Almagro-Gorbea et al (2021).
    As covinhas alinhadas acabam por ser interpretadas em lendas como pegadas de cabras, de algum santo ou mesmo do demo. É muito interessante como estas interpretações levam as covinhas para o Sagrado. Deixamos dois exemplos de covinhas interpretadas como pegadas. As pegadas de cabra na Rocha de Santo Aleixo em Redondo na Figura 15 (à esquerda). As pegadas de Santa Ana na Pedra de Santa Ana em Portel. São também vários os Petrosomatoglifos (partes do corpo representadas na pedra)  que surgem associados a covinhas e frequentemente Podomorfos (pés). Uma situação também reforça a interpretação das covinhas enquanto pegadas na pedra. Na Figura 15 (à direita) temos um Podomorfo isolado encontrado num afloramento perto da Herdade dos Canhões  no Concelho de Alandroal.


Figura 8

Figura 9

Figura 10

Figura 11

Figura 12

Figura 13

Figura 14

Figura 15




3.2 - Pilões, Mós e Mineração


Pilões

    Outra função prática para as covinhas será a de Pilão. Servindo para moer minerais e vegetais ou para juntar diferentes produtos criando compostos para fins diversos. Muitas são as possibilidades para o que se moia nas covinhas: minerais para criar pigmentos, especiarias para usar na culinária, minerais ou ervas num qualquer remédio das tradicionais mezinhas. Autênticas poções mágicas.
    Na Figura 16 observamos o uso da "Tacana" na América do Sul. Retirado do Blogue "Mas que Petroglifos". O uso deste pilão de pedra em afloramentos rochosos cria pias e covinhas.
Numa das olarias de S Pedro do Corval (Reguengos de Monsaraz) encontramos uma laje de xisto no chão com várias covinhas. No local explicaram-nos que em tempos as covinhas serviam para misturar pigmentos (Figura 17). Na mesma Figura vemos uma pedra com covinhas encontrada no Convento de Orada em Monsaraz. Esta pode ter feito parte de uma qualquer estrutura agora destruída ou ser uma autêntica "paleta" de mistura. Ainda na mesma Figura vemos uma pedra com uma covinha e um sulco pode ter tido as mesmas funções. Encontra-se agora reutilizada numa parede na Vila de Monsaraz.

Mós de Cereal

    De maiores dimensões encontramos outras estruturas negativas na rocha que serviam para moer cereais. O mundo das mós é muito diverso desde as mós escavadas na rocha até vários tipos de mós em blocos de pedra soltos. Estas últimas podem ter grande dimensões como as mós de sela ou pequenas dimensões sendo mais transportáveis. Nestas mós a superfície de desgaste pode ter uma forma bastante simétrica e regular. Esta forma resulta do moer do grão mas pode confundir-se com as nossas covinhas ou mesmo com circulos em baixo relevo simbólicos. As mós podem também apresentar covinhas em redor da superfície de desgaste. Estas estruturas escavadas na rocha pela sua dimensão podem também ser "medidas" ou simplesmente "panelas" de rocha. Fazendo lembrar o famoso "Cozido das Furnas" na Ilha de S Miguel nos Açores.
Na Figura 18 vemos estas mós rupestres em povoados de tribos nativo americanas nos Estados Unidos da América. Muito interessante a simetria e organização que pode apontar para um qualquer ritual.
Milstreu e Dodd (2018, p.9) encontram na Arte Rupestre do Norte da Europa muitas covinhas associadas a cenas de cultivo e covinhas em mós:
"Besides ploughing scenes, there are other even more tangible associations between cup-marks and crops, in the form of corn. A number of grindstones have cup-marks around the edges of their upper surface."
No Cromeleque do Xarez em Monsaraz encontramos três mós de sela fazendo companhia a dezenas de menires. Não sabemos se faziam parte dos ritual ligado ao Santuário ou de foram lá parar acidentalmente (Figura 19).


Em Artefactos

    São várias as relações que os investigadores encontram entre covinhas e artefactos:
- As covinhas podem resultar do uso de pedras como ferramentas. Encontramos muitas pedras usadas como "martelos" e as covinhas surgem na área de impacto com o "ponteiro".
- Algumas covinhas podem resultar do afiar de vários tipos de artefactos.
- As covinhas podem também servir para melhor segurar ferramentas funcionando com "pegas".
    Sorenson (2018, p.45) frisa que o mundo prático e o mundo ritual só recentemente foram separados portanto temos que olhar com atenção para as "ferramentas":
    "Another possible interpretation is in the more ritual aspect. The cupmarks could have been a simple symbolic representation of rock art embedded in an everyday tool as a link to the ritual sphere? A common mistake in the interpretation of ritual in archaeology is the distinct separation of ritual vs. profane. This perspective is hugely biased by a modern western mindset, whereas a clear distinction is not part of all societies, where the spheres is mixed and interchangeable (Brück 1999)." 

Mineração

    Vários tipos de minérios eram também trabalhados em estruturas negativas. Encontramos evidências desta atividade mineira em afloramentos rochosos ou blocos móveis. Um processo em que se fragmentava a pedra separando os minerais preciosos. Como exemplo damos as  pirites da nossa região.  Estes trabalhos acabam por criar muitas pias e covinhas. Muitas das covinhas que encontramos perto de minas, cursos de água e até povoados podem ser resultado da exploração mineira. Surgem muitas covinhas em redor de povoados a partir da "Idade dos Metais".   
    Deixamos as palavras Garcia Romero (2002, p.53) em relação a evidências de atividade mineira em blocos de pedra:
    "Las piedras de cazoletas son rústicos morteros de mano, empleados desde el inicio de la metalurgia en el refino del mineral, por tanto son morteros de tercera fase, probabelmente enpleaos en las etapas sucesivas de concentración. Son abundantisimaspero no están estudiadas."
    Gustavo Pascoal Ermida no seu Blogue "Mas que Petroglifos" defende que muitas covinhas e pias foram usadas em trabalhos de mineração:
    "La Tacana (Figura 16) es el percutor que se empleaba tradicionalmente en algunas zonas de la América hispana durante siglos para machacar todo tipo de productos en los morteros-cazoletas. Por supuesto también tuvo un uso minero y nos permite imaginar cómo se trabajaba en las miles de cazoletas que tenemos repartidas a lo largo y ancho de la piel de toro. Evidentemente no todas tuvieron una función minera, pero sí muchas más de lo que los estudios tradicionales consideran. (...) De hecho la mayoría de las cazoletas de ciertas zonas ricas en metales tienen una función práctica ligada a trabajos minero-metalúrgicos, como otros tipos de petroglifos relacionados con esas actividades."
    Na Figura 20 vemos duas mós de minério, bem simétricas e regulares, e dois martelos de pedra (fotos retiradas da Internet).
    Na Figura 21 observamos o uso de pedras na fragmentação de minério e pirites num fragmento de quartzo leitoso (fotos do Blogue "Mas que Petrogifos"). 
Na Figura 22 vemos vários blocos usados na indústria mineira reutilizados na construção de uma casa em Tresminas  emVila Pouca de Aguiar (fotos do Blogue "Mas que Petroglifos").
    Na Figura 23 apresentamos alguns exemplos retirados do trabalho de Garcia Romero. Da esquerda para a direita temos um bloco móvel encontrado num sitio romano, um bloco móvel com covinhas cónicas e um bloco que fazia parte de uma "linha de produção" encontrado em Córdova. A primeira revolução industrial que encontramos em ....período romano.
    Na Figura 24 temos um pedra encontrada na Aldeia das Hortinhas no Concelho de Alandroal (obrigado Aníbal Ferreira). Esta pedra tem cerca de 70 cm de diâmetro e várias covinhas de grande dimensões. Pensamos que se enquadra bem na atividade mineira.


Figura 16



Figura 17

Figura 18

Figura 19


Figura 20


Figura 21


Figura 22


Figura 23


Figura 24


3.3 - Tabuleiros de Jogo

    As covinhas surgem muitas vezes alinhadas assumindo formas geométricas que são quase sempre interpretadas como tabuleiros de jogo. O facto destes tabuleiros ainda serem jogados leva a que muitos investigadores interpretem as covinhas como históricas. Na Figura 25 apresentamos exemplos de covinhas de tabuleiro de jogo do Alquerque dos Doze no mármore, numa baldosa e no xisto da Vila de Alandroal. Temos encontrado centenas destes tabuleiros por essas Aldeias e Vilas. A melhor forma de identificar estas covinhas-tabuleiro é pela sua simetria. Estas covinhas resultam do desgaste nas casas onde se colocam as peças. Embora por vezes nos pareça que alguns destes tabuleiros sejam desenhados à partida com covinhas sem traços. Os tabuleiros de jogo que mais surgem na forma de covinhas são o Alquerque dos Doze e o Alquerque dos Doze com dois castelos (Figura 26). 
    As formas geométricas feitas com covinhas também escondem Ideogramas Mágico Religiosos. A maior parte dos "supostos" tabuleiros, traçados ou sob a forma de covinhas, que surgem em afloramentos rochosos podem ser Ideogramas. Estes Ideogramas surgem também na vertical em vários edifícios. A justificação dos investigadores passa pela reutilização dos tabuleiros. Não concordamos com esta hipótese e estamos a desenvolver o tema AQUI. Quanto à covinhas enquanto Ideogramas Mágico Religiosos falaremos mais à frente.


Figura 25


Figura 26



4 - As covinhas como parte de um ritual


4.1 - Geofasia


    As covinhas podem ter servido para moer a própria pedra transformando-a em pó que seria depois......consumido. A Geofasia é comum entre sociedades tribais contemporâneas na América do Sul e em África. Entre os produtos consumidos encontramos a cal e o barro. Algumas tribos chegam mesmo a fazer bolos de.... barro. O pó de pedra também é consumido e principalmente entre as grávidas e adolescentes. Este costume serve para fornecer minerais ao organismo tendo um papel medicinal. 
    As palavras de Horn (2015, p.32) mencionando Capelle acerca da possibilidade da recolha de pó de pedra baseado no tamanho regular das covinhas:
    "Torsten Cappelle mentioned another possible use in which cupmarks are more a practical measure in ritual activities. Based on the regularity of their size, it has been argued that the stone refuse of their production may have been collected for a number of magical or ritual purposes (Capelle, 2008: 35)."
    As palavras de Kevin Callahan (2000) acerca da Geofasia associando esta prática às nossas covinhas:
    "This well documented medical and cultural phenomenon has a direct connection, according to ethnohistoric sources, to the production of some rock art on a global basis, in particular the production of some cupmarks or cupules, occasionally referred to in archaeological literature as "pits."".
    O autor passa a apresentar registos etnográficos em relação aos nativo americanos associando covinhas à fertilidade:
    "Ethnohistoric information in North America directly associates some cupmarked rock art with couples seeking to enhance fertility (Parkman 1995:8-9). Some production of cupmarks has also been reported to have occurred near the time of births (Id.).
    Breck Parkman, for example, working in California, has reported that in Pomo society the powder resulting from cupmark production was sought after by couples wishing to have a baby that otherwise were facing sterility and childlessness (Heizer 1953; Merriam 1955; Parkman 1995:8).
    In Pomo and Shasta ethnographic accounts, cupmarks are sometimes equated with fertility and are referred to as "baby rocks" (Id.). According to Merriam the powder from cupmark production was ingested by women in the belief that it made them more fertile (Merriam 1955). The production process for cupmarks was thought to release the underworld's spiritual power that resided in the rock.
    Na Figura 27 apresentamos fotos da Nathional Geographic com alguns dos materiais consumidos: pedras, cal e "bolinhos" de barro.

Rocha dos Namorados

    Encontramos um exemplo de Geofasia na Rocha dos Namorados em S Pedro do Corval (Reguengos de Monsaraz). Esta Rocha é um bloco pedunculado granítico repleto de Ideogramas Mágico Religiosos. Um afloramento natural que ganhou significado mágico religioso sendo agora uma Rocha Sagrada. Na Rocha dos Namorados encontramos uma enorme Cruz em alto relevo rodeada por Rosetas Hexapétalas. Na forma de Graffiti encontramos riscados Cruciformes e Covinhas de grandes dimensões. Alguns autores consideram estas covinhas como naturais mas na nossa humilde opinião são antrópicas. Apresentamos alguns argumentos para defender a nossa posição:
- Na Figura 28 apresentamos imagens de vários outros blocos pedunculados. Em nenhum deles surgem covinhas na forma ou quantidade que encontramos na Rocha dos Namorados.
- As covinhas da Rocha dos Namorados estão associadas a Ideogramas Mágico Religiosos (Figura 29).
- Algumas das covinhas são bastante simétricas e outras parecem estar alinhadas (Figura 30).
- As covinhas surgem em grande número e parte delas está à "altura da mão". Na Figura 31, a branco, vemos esta altura da mão. Na mesma Figura, a amarelo, temos uma zona com possíveis apoios para subir ao topo da rocha.
   Estas evidências suportam  a nossa hipótese das covinhas da Rocha dos Namorados serem antrópicas. Pensamos estar perante um caso de Geofasia esquecido pela História. A Rocha dos Namorados representa um culto de fertilidade ainda vivo. Deixamos a descrição retirada do Site da Junta de Freguesia do Corval acerca do ritual que se pratica hoje. Obrigado pela colaboração Eunice Gomes no exemplo (Figura 32).
"A Rocha foi então batizada com dois nomes: Rocha dos Namorados e Pedra do Casar.
    Manda a Tradição, que na Segunda-feira de Páscoa, dia em que a população sai para o campo comer o borrego, junto à Rocha dos namorados; as jovens solteiras devem ir à Rocha e de costas, lançar 3 pedras com a mão esquerda:
- se cair no “chapéu” a 1ª pedra é porque casa nesse ano.
- se cair a 2ª pedra, casa no ano seguinte.
- se cair a 3ª pedra casará dentro de 2 anos.
    Se não cair nenhuma, terá de esperar pela próxima Segunda-feira de Páscoa.".
    Quanto a este ritual de lançar a pedra deixo as palavras de Almagro-Gorbea e Torres acerca de outras Pedras de Namorados (2015, p.20):
    "(...) a maioria dos Penedos do Casamento se associam a santuários cujo caráter numínico é de indubitável origem celta, associados a penedos e fontes num ambiente que ainda impressiona e que é caraterístico de um nemeton ou numus. (...) Noutros casos, estas pedras relacionam-se com igrejas ou capelas, como em Arcos, Muas, o Senhor dos Perdidos, etc., que tem essa mesma função social e religiosa herdada de cultos e tradições pré-romanos cristianizados."
    Ainda em relação à Rocha dos Namorados e a S Pedro do Corval gostávamos de referir alguns aspetos. 
    Na Vila encontramos como orago o apóstolo Simão, o nosso "Petrus" ou "Pedra", hoje S. Pedro. São vários os Templos com o Orago S. Pedro localizados em Rochas Sagradas dos quais destacamos S. Pedro de Portel.
    As palavras de Almagro-Gorbea et al (2021, p.172) acerca da Toponímia e datas das festividades em S. pedro do Corval:
    "(...) el topónimo de San Pedro de Corval podría enmascarar la cristianización de la divinidad solar celta vinculada a los cuervos, el dios Lug, quizás como paredro de la divinidad femenina ancestral de la Rocha, como evidencia el mito de la insistencia en construir la ermita en pleno campo, la procesión desde la ermita a la Rocha y la fecha de la fiesta de Nossa Senhora do Rosário el primer fin de semana del mes de agosto, que se relaciona con la festividad celta de Lugnassad el 1 de agosto, frente a la fecha del 7 de octubre, que es la oficial en la Iglesia Católica.".
    Outro pormenor interessante é o facto de os cortejos fúnebres fazerem uma paragem na Rocha dos Namorados no percurso entre o Santuário de N.S. do Rosário e o Cemitério (Varela Gomes 2002, P.173). A relação entre fertilidade e o culto dos mortos dentro de ciclos anuais e da vida. Em anos de seca também se ia pedir chuva à Rocha. Um reflexo do carácter polissémico das  Rochas Sagradas.
    Vamos encontrar outro interessante exemplo de covinhas na vertical nas colunas da Catedral - Mesquita de Córdova. Aqui temos mais um provável exemplo de Geofasia. Este exemplo demonstra que esta tradição continuou pela Idade Média. Na Mesquita temos algumas das colunas repletas de covinhas resultado de terem sido "raspadas" ao longo dos séculos (Figura 33). Fotos retiradas dos Blogues "Notas Cordobesas" e "Queren ver en Cordoba". Uma das explicações refere a raspagem das colunas pelos fiéis que atribuíam efeitos medicinais ao pó dai resultante. Não encontramos a referência ao consumo deste pó mas seria certamente um dos seus usos. Outra possibilidade é a raspagem das colunas com moedas que ganhavam assim poderes de proteção tornando-se amuletos. A explicação "oficial" justifica a raspagem, com moedas, na curiosidade de ficarem a cheirar a enxofre. Uma tentativa de esconder rituais antigos com mitos urbanos.
    Na Figura 34 apresentamos mais dois exemplos de covinhas na vertical em templos históricos sendo prováveis evidências de Geofasia. O primeiro no xisto da fachada da Igreja de NS da Lagoa em Monsaraz. O segundo numa pia em frente de uma Igreja espanhola (foto de Javier Gonzalez Piris). Na mesma Figura (à direita) encontramos covinhas marcando a entrada das mulheres numa Igreja. Foto retirada de Milstreu e Dodd (2018, p.24). Os investigadores encontram este "ritual" em várias Igrejas da Dinamarca. Pode ser mais um exemplo de Geofasia ligando as covinhas à fertilidade feminina. Em Portugal também vamos encontrando várias covinhas em Templos e falaremos de algumas mais à frente.
    Deixamos alguns exemplos de Geofasia, mais recentes, segundo Callahan (2000) descrevendo o trabalho de Rau (1881):
    "During the late nineteenth century Charles Rau (1881) reported that across Germany and in Sweden "cup-marks" and "grooves" or "furrows" had been inexplicably carved into the outside brick walls and sometimes the mortar of many churches, usually on the south side, near entrances. (....)
    Charles Rau recorded that, "The cups on churches in Germany seem to to have been thought to possess healing qualities. Fever-sick people blew, as it were, the disease into the cavities. According to other accounts, the patients swallowed the powder produced in grinding out the cups" (Rau 1881:88).
    Rau also described two stones in France attached to or actually inside churches where people ground holes in the stones and drank the powder to cure fever and impotency. He also identified a location in Switzerland where "ailing persons drill into the stones of a certain chapel, and swallow the dust thus obtained" (Rau 1881: 88-89) He then mentioned a citizen of Greifswald who reported "that the cups were still resorted to in his time for charming away the fever" (Rau 1881:89)."
    No recente trabalho de Almagro-Gorbea et al (2021, p.136) são apresentados vários exemplos de Geofasia relacionados com covinhas inclusive em Portugal:
    "(...) pudieran reflejar un ritual mágico que consiste en obtener polvo de la piedra “sobrenatural” para ser ingerido por sus propiedades mágicas, rito bien atestiguado en otros lugares, como la piedra de Anção que ingerían las mujeres de Gondomar, cerca de Briteros, para tener un buen parto. Igualmente, en Santa María de Cerdedelo (Laza, Ourense), tras dar 9 vueltas alrededor de la ermita de la Virgen de Penatallada, los devotos raspan la peña sacra y extraen polvo mientras rezan un rosario, pócima de propiedades curativas que utilizan contra los dolores de cabeza. En Extremadura se raspaban los eslabones de las cadenas de la puerta de la catedral de Coria y de Plasencia y el polvo así obtenido se administraba a la mujer que era estéril con vino blanc. En Bretaña desde el siglo XVI hay noticias de que se hacía una bebida con polvo rallado de una piedra para favorecer la fecundidad, lo que explica los numerosos hoyos y cubetas que muchas veces se observan, como en el menhir del Fuseau de Sainte Barbe, en Ploeven, o en el menhir de Tremblai, junto a la capilla de Saint-Samson, al norte del departamento de Côtes-d’Amour, donde se frotaban los enfermos para curarse y arrancaban pequeños fragmentos para hacer una poción que tenían que beber (...)"
    Em Bednarik (2008, p.75) encontramos mais utilizações para o "pó de pedra" ligadas à fertilidade:
    "Specific boulders bearing collections of cupules were visited by Pomo women to conduct fertility ceremonies. These rituals, intended to lead to conception, involved the collection of the ‘fertilising’ dust created in pounding the cupules. The rock is either steatite or chlorite schist, the powder was made into a paste which was usually applied to the woman’s skin, or, in one case recorded, was inserted into her vagina to achieve pregnancy through the rock’s magical essence."
    Na Austrália o acto de moer a pedra dispersando o pó no ar tem efeitos na fertilidade e traz a chuva. O poder mágico do pó de pedra como essência de vida. 
    "The first case concerns the story of the death of Tukalili, the cockatoo-woman, a creation myth collected in the Northern Territory of Australia (Fig. 22). Her totemic body, a large boulder near Nantaguna springs, bears in a recess around sixteen horizontal cupules. They are the result of pulkarin rituals conducted to cause the pink cockatoo (Cacatua leadbeateri) to lay more eggs. This is accomplished through the mineral powder rising into the air as the cupules are pounded. The dust represents the kuranita of the rock and, as it is thus released, it fertilises the female cockatoos. Kuranita (life essence) can rise like a mist into the air from any ‘increase site’, impregnating a specific plant, animal or natural force the site is associated with, through its release by an appropriate ceremony." (Bednarik 2008, p.72).
    Num passeio pela Herdade da Defesa na nossa Freguesia de Santiago Maior encontrámos mais uma interessante rocha. Nesta rocha a erosão natural construiu um falo. Na mesma rocha temos um abrigo onde surgem mais marcas de desgaste semelhantes às que encontramos na Rocha dos Namorados (Figura 35). Podemos estar perante mais uma Rocha Sagrada e mais um caso de Geofasia. 
    Passamos a resumir este Ponto.
    As covinhas podem resultar da procura da essência de vida das Rochas Sagradas: raspando objectos que se tornam amuletos, lançando o pó de pedra para o ar, criando uma pasta com o pó que será consumida ou aplicada em diferentes partes do corpo. 
    Muitos dos medicamentos que tomamos têm compostos minerais portanto todos nós usufruímos desta "essência da vida".


Figura 27

Figura 28

Figura 29

Figura 30

Figura 31

Figura 32

Figura 33

Figura 34

Figura 35



4.2 - Litofones


    Alguns dos painéis de covinhas podem ter sido Litofones ou seja instrumentos musicais de pedra. Muitos dos blocos soltos que encontramos com covinhas podem ter tido esta função. Parece que blocos de pedra com pouco contacto com o resto do afloramento produzem melhor sonoridade. As diferentes dimensões das covinhas produzem diferentes notas musicais.
    Este Litofones podem ter tido funções práticas ou lúdicas. Hoje em sociedades etnográficas fazem parte de rituais relacionados com a morte e a fertilidade no que diz respeito à chuva.
Varner (2012) traz-nos exemplos etnográficos de África, e das Américas, e também um exemplo na classificação de algumas Rochas Sagradas da Suécia:
    "(...) explained that the cup marks were carved about 200 years ago by the Masaii. After a good rain, people would come to the rock outcrop. Leaders or shamans would climb the outcrop, and ‘play’ the rock with the cup marks, leading the rest of the tribe below in songs of thanks.”
    Similar “ringing” cup-marked stones have been found in Sweden. According to Mizin, “In Sweden, are known many cup marked stones, and among them is one surprising category— “ringing stones”.
    (...) Ethnographic information indicates that the Luiseño Indians in San Diego County, California used cup-marked boulders in boys and girls’ puberty rituals—also to make musical sounds." (p.30-31).
    Bednarik (2008) descreve algumas caracteristicas das rochas que optimizam a sua utilização como litofones. Temos que começar a procurá-las na nossa região testando a sua qualidade sonora:
    "Such lithophones or rock gongs (Montage 1965) have been used widely around the world, but have been reported most often from Africa, Asia and North America. They can be of many different rock types, but there does appear to be a preference for granitic stones. (...) Irrespective of rock type, the best lithophonic sound results are always obtained from rocks that are thin, discoid or elongate, and only supported at very limited contact surfaces. Ideally, they are long and slender, and supported only at one end...." (p.74).
    O mesmo autor apresenta alguns exemplos etnográficos:
    "Several granite lithophones from Zimbabwe are described by Huwiler (1998: 148), who reports that they are locally called mujejeje. These occur near burial places and were still used recently to communicate with ancestors interred in the vicinity. (...) there are many other instances known in India. An excellent example is the large rock flake at Jhiri Nala, located about a kilometre from the ancient cupule site Bajanibhat, east of Kotputli, also in Rajasthan. Bajanibhat in fact means ‘rock that gives sound’. (...) Numerous ‘ringing rocks’ have been reported from the United States, and some limited ethnographic evidence is available. In southern California, DuBois relates them to girls’ puberty rites of the Luiseño (1908: 115) as well as to the boys’ ant ordeal ritual (DuBois 1908: 92, 95, 121)." (p.75).
    No Blogue "Outeiro do Circo" encontramos um comentário que descreve mais uma utilização prática para os nossos Litofones:
    "(...) Tive oportunidade de ler e ver imagens sobre a "Pedra das covinhas". Imediatamente, me lembrei desta fotografia que te envio que o meu irmão tirou no Quénia. Trata-se de uma rocha com cerca de 1,5m de altura (a olho) no Quénia, utilizada ainda hoje por tribos cuja atividade pastoril é a base da comunidade, para chamar à distância os pastores e o gado. Tal chamamento faz-se por percussão das pedras mais pequenas (que podes observar) na rocha grande originando as depressões em tudo idênticas às da Pedra das Covinhas. (...)"
    Na Figura 36 vemos provavelmente  o mesmo Litofone no Quénia. Numa foto retirada do Blogue "Outeiro do Circo" e numa foto retirada de Bednarik (2008, p.75). Pelos vistos um Litofone famoso. Na foto de Bednarik vemos como o Litofone foi usado recentemente pela patine das covinhas.     
    Na Figura 37 temos mais fotos de Bednarik (p.74-75) onde encontramos um Litofone a ser usado na India e as evidências do "concerto" na rocha.
    O som fica muitas vezes de fora quando estudamos Arte Rupestre ou Grafitti Histórico. Aqui fica um interessante exemplo. 


Figura 36

Figura 37




4.3 - Recipientes


    Olhando para as covinhas a primeira função que nos vem à ideia é a de recipientes.Muitas estruturas negativas apresentam grandes dimensões e podemos chamá-las de pias (Figura 38). Estas pias surgem muitas vezes perto dos montes e serviriam para dar de beber ou comer aos animais. A maior parte destas pias apresenta formas quadrangulares ou retangulares. Quando têm formas circulares com alguma dimensão e profundidade ainda é fácil identificá-las como pias. No entanto as nossas pias apresentam algumas vezes uma dimensão média, à volta dos 20 cm de diâmetro, tornando difícil identificá-las como bebedouros ou comedores de animais. Para que serviam então?


4.3.1 - Rochas Sagradas e Água Podre

    Encontramos na medicina tradicional ou nas "mezinhas", como se diz por aqui, um uso para as pequenas pias. Mezinhas que são um exemplo de sabedoria popular feita de conhecimentos milenares que infelizmente vamos esquecemos. As nossas covinhas acabam por criar um micro ecossistema com propriedades únicas. Temos então autênticas "poções mágicas" que serviam para curar algumas maleitas. Ainda há memórias de alguns desses remédios. Deixamos o interessante testemunho de José Fernández Pérez sobre o uso da "água podre" na cura de doenças de reumatismo:
    "Moitas cazoletas de orixe natura, foron aproveitadas para morteros e para rituais de auga podre, cando a auga levava moitos dias, incluso com larvas de mosquito dentro, era o momento para curar doenzas de reúma, hasta mediados de século vinte se fixo, ibamos ca viceira e os vellos non nos deixaban suciar nin tirar aquela auga da pociñas na rocha. Bon dia."
    Tvauri (1999, p.140-1) traz-nos uma descrição do poder curativo das Rochas Sagradas e covinhas da Estónia. Por lá, além do papel curativo das rochas nas doenças de pele, encontramos também a água das covinhas usada para curar doenças dos olhos:
    "The stones have been widely used for healing in previous as well as in this century. The custom was most common in western Estonia, where various dermatological and eye diseases were cured on stones. Usually, the disease was transferred into coins or salt by touching the sick spot with it. Then the “infected” object was left on the stone. It was believed that the objects on the stone infected the one who touched them. (And, several skin diseases that were healed on the stone were probably infectious, too). Thus, the objects left on such stones were rather means of magic transmittance than offering gifts. Eye diseases were cured mostly with the rainwater gathered from the cup-marks and cavities in the stones."  
    Milstreu e Dodd (2018, p.18-19) encontram um interessante paralelo etnográfico em África de covinhas "medicinais":
    "There is an interesting ethnographic parallel for cup-marks on the edges of rectangular shaped stones. Figure 22 (nossa Figura 39) shows cup-marks being used by a medicine man to heal a patient with earache by using a hammerstone to hit the stone, creating, or enhancing pre-existing cup-marks. The recently carved stone shows up in a much lighter colour, which may in turn lead us to think about the possible significance of colour, such as outlined within ethnographic studies focused on prehistoric archaeological contexts (Jones and MacGregor 2002)."
    Na mesma Figura 39, e já que estamos em África, podemos ver uma rocha com uma espiral e vários alinhamentos de covinhas. Destaque para a cor da qual os autores falam acima. Este destaque da cor encontramos também em vários dos painéis da Serra das Pedras (Reguengos de Monsaraz). Ainda em África e na mesma Figura  encontramos uma Rocha Sagrada coberta de calhaus que nos faz lembrar  a Rocha dos Namorados.

4.3.2 - Libações e Oferendas

    Fulvio (2010, p.211) menciona libações e outras oferendas nas covinhas citando o trabalho de Borgna:
    "For example, in regards to ‘‘religious meaning,’’ Borgna wrote, Troyon (1860) supposed that the stones with cup-marks were altars whose cavities had to receive the libations. In the same ones, in some places in France, they put flowers, fruit, coins, pins in order to receive favours and mercies. [1980:94] In regards to ‘‘fecundative meaning,’’ he wrote, The hole in the ground, made with a stake, symbolized the vulva receiving the penis and the semen. The water that flows into the cup-marks and the spring water are life source. [1980:107]"
    Rui Aritmeia teve a amabilidade de partilhar este testemunho de uma lenda relacionada com as covinhas:
    "(...) é um penedo com a superficie crivada de que os franceses chamam de fossetes e o nosso povo buraquinha. (...) e no penedo de Regilde a lenda mourisca não falta. É de certo a ele que se refere a seguinte historieta. Uma madrugada, um rapazinho seguido pelo pai, passou perto do penedo e vendo as buraquinhas cheias de milho, gritou: Jesus! o que vai aqui de milho, meu pai! Mas ao nome de Jesus o milho tinha-se transformado repentinamente em carvão. Era ouro puro, está claro." (Sarmento, 1933, p.203).
    Nesta descrição de Martim Sarmento encontramos muita informação. A lenda conservou a memória das "buraquinhas" como receptáculos de cerais naquilo a que podemos chamar de um altar rupestre. Um ritual que o Cristianismo não aprova uma vez que o rapaz ao pronunciar o nome de Jesus as oferendas transformaram-se em carvão. Muito interessante.
    No trabalho de Almagro-Gorbea et al (2021, p.38) encontramos a interessante descrição do ritual realizado em Panóias com instruções e tudo:
    "Resulta ilustrativa para entender los sacrificios en altares rupestres una inscripción romana, destruida en el siglo XIX, del santuario de Panoias, Vila Real, Portugal, que da instrucciones para hacer los sacrificios. La inscripción decía: “A los Dioses de este recinto sagrado. Las víctimas se sacrifican y se matan en este lugar. Las vísceras se queman en las cavidades cuadradas en frente. La sangre se vierte aquí al lado en las pequeñas cavidades”. (...) además de ofrecer una terminología precisa de las pilas y cazoletas que caracterizan estos altares rupestres, nos informa que las vísceras de la víctima se quemaban en honor de los dioses, a los que también se destinaba la sangre, mientras que el resto de la carne sería asada y comida por los participantes en el sacrificio en confraternización con las divinidades, tal como era costumbre en el sacrificio indoeuropeo. Panóias es un santuario rupestre que en el siglo III d.C (...) probablemente mantendría rituales indoeuropeos ancestrales de los santuarios rupestres lusitanos."
    Fernando Coimbra (2001, p.5) traz-nos o uso das covinhas num ritual praticado nos nossos dias:
    "The same thing happens at Ca’ Bianchi di Torre S. Maria (Valmalenco, Italy), where a small rock with cup-marks was put, in recent times, in front of the chapel dedicated to the Virgin. The local population traditionally uses the cup-marks as “piccole acquasantiere durante la recita del S. Rosario” (SANSONI et alli, 2001:31)."

4.3.3 - Sulcos e Canais

    Por vezes as covinhas apresentam pequenos "sulcos" ou "canais" que as ligam. Estes sulcos parecem canalizar líquidos de uma covinha para outra. Encontramos por vezes uma covinha de maiores dimensões como ponto central de onde partem os sulcos. A maior parte destes painéis com covinhas e sulcos surge na horizontal ou em planos inclinados.
Apresentamos algumas hipóteses para estas covinhas e sulcos:
- Uma expressão artística.
- Dos Mapas falaremos mais à frente.
- Um processo de decantação para apurar o liquido ou para retirar o liquido recolhendo o que ficasse no fundo das covinhas (mineração?).
- Intenção de drenar as covinhas para que estas não acumulassem água.
- Canalizar líquidos numa qualquer libação. Por exemplo recolhendo e canalizando o sangue num qualquer sacrifício.
- Parte de um  Ritual criando um efeito cénico com as libações escorrendo lentamente pela Rocha-Altar.
    As duas últimas hipóteses parecem bastante interessantes. Passamos a apresentar alguns exemplos:
    Na Figura 40 apresentamos um painel inclinado na Serra da Pedras (Reguengos de Monsaraz) com covinhas a preto e sulcos a branco. Na mesma Figura (à direita) temos o efeito cénico criado pelo derrame de leite nas covinhas.
    Na Figura 41 vamos encontra covinhas e sulcos mesmo ao lado da Ermida de S. Lázaro em Monsaraz. Aqui a covinha central apresenta maiores dimensões.
    Na Figura 42, ainda em Monsaraz,  muito perto da Ermida de S. Cristovão encontramos um autêntico Santuário. Num dos painéis encontramos várias covinhas alinhadas ao longo de um balcão cortado no xisto. Noutro painel vemos várias covinhas de pequenas dimensões e sem sulcos. Encontramos também covinhas isoladas de grandes dimensões ou ligadas por sulcos a outras mais pequenas. Tudo isto recheado de Graffiti Histórico.
    Apresentamos a hipótese dos painéis com covinhas e sulcos de S. Lázaro e S. Cristovão fazerem parte de um qualquer ritual de proteção dos viajantes (peregrinação?). A Ermida de S. Lázaro encontra-se numa encruzilhada de ladeiras que descem de Monsaraz e seguiam para Espanha atravessando o Rio Guadiana. A Ermida de S. Cristovão fica muito perto de uma outra ladeira que vem de Monsaraz e leva-nos à Barca para Mourão e Espanha.
    Na Figura 43 temos um painel com covinhas e sulcos datado da Idade do Ferro (Val Chisoen em Itália). As covinhas maiores são autênticas pias. Estas pias são bem cilíndricas com os lados verticais e o fundo plano. Muito semelhantes às pias que encontramos no Alto de S. Bento em Évora (na mesma Figura a foto do canto inferior direito). Encontramos em S Bento evidências de uma pia que pode ter sido feita já com ferramentas de metal.

4.3.4 - Candeias, Velas e Incenso

    As nossas covinhas, dentro de uma função ritual, podem ter servido de recipientes para azeite. Uma covinha cheia de azeite e com um pequeno pavio dá uma excelente "candeia". Várias destas candeias acesas ao mesmo tempo num pequeno altar, ou num caminho,  têm um efeito cénico muito interessante.
    No entanto algumas covinhas apresentam dimensões tão reduzidas que podem ter servido apenas como suportes para as velas ou queimar incenso. Mais ou menos como as velas que vemos acesas em alguns Santuários católicos.
    Na India temos o "Diwali" ou Festival das Luzes que se realiza no Outono. Neste festival celebra-se a prosperidade e a vitória da luz sobre as sombras. Na Figura 44 apresentamos alguns dos Ideogramas construídos com as candeias ou "Diyas" no Diwali. Todos estes Ideogramas surgem em território nacional e alguns em forma de covinhas de que falaremos mais à frente.
    Encontramos na Rocha Sagrada de S. Cristovão, em Monsaraz, uma espécie de "balcão" com várias covinhas alinhadas em frente de um buraco na rocha. Este balcão encontra-se bastante protegido dos elementos favorecendo uso de velas (Figura 45). Esta Rocha Sagrada, com a construção da Ermida de S. Cristovão, tornou-se num autêntico Santuário. 
    Na Herdade de S. Lourenço do Barrocal encontramos uma situação semelhante. Um pequeno conjunto de covinhas abrigado numa barroca (Figura 46). Algumas das covinhas apresentam o mesmo diâmetro e profundidade e parecem estar alinhadas (representação de uma serpente?). A barroca na zona diretamente acima das covinhas parece ter sido afeiçoada. Este pequeno Santuário está muito perto de um conjunto de Antas. Muito interessante.

4.3.5 - Etnografia e Toponímia

    Os nomes dados às rochas com covinhas também nos podem dar pistas para o seu uso. Por um lado temos que ter em conta que estes nomes podem ser apenas uma interpretação histórica. Podendo as covinhas ser muito mais antigas e terem desempenhado outras funções. Por outro lado encontramos uma grande continuidade escondida na Religião Popular. Em estudos que realizámos sobre a casa alentejana a continuidade dos rituais apotropaicos e dos ideogramas usados é milenar. Entre os investigadores existe o preconceito de considerar as sociedades pré-históricas como algo incrivelmente distante que nunca vamos compreender. No entanto estas gentes tinham as mesmas necessidades e medos que temos hoje. Muitas das suas crenças ainda estão vivas "escondidas" em sincretismos religiosos que acabaram por conservá-las. O mundo rural é o guardião de muitos rituais antigos que sobreviveram aos monoteísmos.
    Tvauri (1999), no seu trabalho sobre as covinhas da Estónia, refere que as pedras onde elas se encontram ainda são chamadas de "pedras sagradas dos bosques" ou "pedras de oferendas". Deixamos a explicação do ritual realizado em algumas destas pedras:
    "An account from 1990 said about a destroyed cup-marked stone in Vaida village (Jüri parish): “Every farm had its hole for placing offerings at certain times – in spring at sowing period, in autumn at the harvest. It was either grain or …(?)”." (p.140)"
    Os investigadores Milstreu e Dodd (2018, p.5) encontram alguns nomes dados às rochas com covinhas bastante sugestivos:
    "Others seem to refer to actions, what one might call rituals, carried out at the sites. Some of these have religious connotations, like ‘altar stone’, whereas names like ‘butter stone’ and ‘sacrifice stone’ refer to a practice whereby materials or artefacts were placed in the depressions. This activity can be linked to fertility rites and a wider suite of non-Christian religious practices. These in turn gave rise to names such as ‘fertility symbol’ and names of individual stones like ‘The Devil’s Bowling Alley’ (Fandens Keglebane, for example in Nexø, East Bornholm, Denmark)."
    Fulvio (2010) levanta uma hipótese funcional para as nossas covinhas que mistura o prático e o ritual. As covinhas serviriam para secar cogumelos alucinogénicos dentro de rituais de fertilidade. Portanto ainda estamos a falar de "mezinhas" e muito usadas nos nossos dias. Deixamos as palavras do investigador:
    "I hope that this article will contribute to the understanding of the original function of cup-marks, of the reasons why they were made, and their use in Italy, and probably in other European areas between the end of the Neolithic and the Bronze Age. I believe that the cup-marked stones have had together a double function, and acted as an intangible asset related to a cult of fertility and a concrete function related to the drying of the Amanita."


Figura 38

Figura 39

Figura 40

Figura 41

Figura 42

Figura 43

Figura 44



Figura 45

Figura 46




5 - Origens, Antas-Templo e Rituais de Morte


    Os Chimpanzés usam pedras como ferramentas para partir nozes por exemplo. Neste processo acabam por produzir covinhas com uma função prática. Podemos então dizer que as covinhas são mais antigas que o próprio Homem.
    Bednarik (2008, p.77) encontra covinhas em duas grutas com evidências do Paleolítico da India:
    "However, the substantial corpus at Daraki-Chattan has been clearly demonstrated to be made by people with a chopping tool industry similar to the Oldowan, which underlies substantial Acheulian and Micoquian-like occupation layers. In the sediments at the entrance of this cave, some thirty exfoliated cupules (Fig. 27) were excavated in and below the Acheulian deposit, extending all the way to the chopping tool layer, while numerous hammerstones used in the production of the approximately 540 cupules of the cave were concentrated in this lowest occupation deposit (Bednarik et al. 2005). This sound stratigraphical evidence suggests that the cupules in Auditorium Cave, too, are perhaps not of the Acheulian as previously suggested by me, but also belong to the chopping tool tradition found under the site’s two Acheulian horizons, and separated from them by a sterile layer.
    O autor menciona mais dois sítios do Paleolítico africano onde surgem também covinhas.
    Na Europa encontramos também encontramos várias pedras com covinhas no Paleolítico. O melhor exemplo é a Gruta de Ferrasie na Dordonha. Nesta gruta surgiram pedras com covinhas datadas de 43000-37000 anos BP (antes do presente). As palavras de Fernando Coimbra (2001, p.1) acerca de uma destas pedras usada como tampa de sepultura:
    "The French archaeologist Denis Peyroney found in situ, in La Ferrasie Cave (France), a stone that covered a child’s grave, datable according to him, from the Medium Palaeolithic, carved with several cup-marks and a channel."
    Na Figura 47 apresentamos algumas das pedras com covinhas da gruta de Ferrasie. Da esquerda para a direita temos o desenho da tampa de sepultura (Bednarik 2008, p.78), fotos de outras pedras  com covinhas e figuras interpretadas como vulvas (Milstreu e Dodd 2018, p.21).  Numa só gruta temos várias pedras com as covinhas em diferentes concentrações, associações e funções.
    Damos agora um salto até à Cultura do Megalitismo no Neolítico. O Megalitismo estende-se por um largo período de tempo e apresenta grande monumentalidade. Como tal tem sido amplamente estudado. Isto leva a que uma grande parte das covinhas tenham sido registadas primeiro em antas e menires. Esta situação levantou uma grande discussão sobre a antiguidade das covinhas e a sua relação com o Megalitismo. As covinhas faziam parte Arte Esquemática dos monumentos megalíticos ou teriam sido feitas em períodos posteriores?
    Comecemos por aqueles que defendem as covinhas como posteriores aos monumentos megalíticos. Estes argumentam que as covinhas, nos monumentos funerários, se encontram no "lado de fora" das pedras. Surgindo na superfície exterior das pedras de cobertura nomeadamente no chapéu da câmara ou na tampa do corredor. Se fizessem parte do monumento estariam escondidas pela mamoa, feita de pedra e terra, que cobria todo o monumento. Portanto levanta-se a hipótese de terem sido feitas posteriormente quando a mamoa já estava destruída. Nos menires as covinhas surgem com maior frequência num dos lados. Aquele que ficava para cima quando o menir já se encontrava tombado. Levanta-se a hipótese de estas terem sido feitas num período posterior com o menir já derrubado. A maior parte dos autores que defendem esta hipótese "posterior" pensam que a covinhas sejam uma expressão no Calcolítico.
    Em relação às antas e às covinhas no chapéu da câmara apresentamos alguns apontamentos.
    Na Figura 48 observamos a superfície exterior do chapéu da câmara da Anta da Candeeira  (Redondo). Nesta encontramos várias covinhas de diferentes dimensões. A área central parece ter sido rebaixada criando como que uma "pia" irregular e de pouca profundidade. Esta pia é drenada por um pequeno sulco num qualquer ritual que esquecemos. Esta anta apresenta também um orifício circular num dos esteios. Esta "janela" é conhecida localmente como o "buraco da alma". Que interessante monumento e com enorme continuidade.
    Andrade et al (2018, p.374) apresentam vários exemplos de covinhas em antas do Concelho de Estremoz localizando-se a maior parte no chapéu:
    "São disso exemplo: na área de Estremoz, a Anta da Courela da Anta (Chapéu e esteio da Câmara, o primeiro com figura «halteriforme»), Anta 3 dos Outeirões (Chapéu) ou Anta 1 das Casas do Canal (Chapéu); na área do Redondo, Anta da Vidigueira (Chapéu), Anta da Candeeira (Chapéu) ou Anta do Hospital (esteio da Câmara).".
    Leonor Rocha (2004, p.6) acrescenta:
    "Dos 136 monumentos conhecidos, até ao momento, na área de Pavia, apenas 9 apresentam covinhas sendo que a maioria (7) se localiza sobre as tampas (câmara e corredor).".
    O investigador George Nash (2019, p.110) relaciona as covinhas nos chapéus dos monumentos de Gales com os céus:
    "Their appearance on capstones for example suggests a relationship with the sky or more poignantly, the celestial heavens.7 Many of the eighteen monuments in Wales have their cupmarks engraved onto the upper face of the capstone (e.g. Bachwen, Garn Turne, Trefael and Trellyffaint). Although the distribution of cupmarks on any of the capstones do not represent clear star constellations, the very essence that such motifs face towards the sky is a plausible hypothesis."
    Leite de Vasconcelos traz-nos um ritual divinatório realizado nas antas de Pinhel até 1940. Nestas era costume queimar o grão do inicio da colheita nas antas e pela orientação do fumo resultante prever se iria ser uma boa ou má colheita. Muito interessante.
    Voltando à nossa discussão apresentamos os argumentos dos investigadores que relacionam as covinhas com os monumentos megalíticos. Estes justificam as covinhas nas superfícies exteriores e cobertas pela mamoa como intencionais. Covinhas gravadas na construção do monumento e intencionalmente escondidas. Apresentam também outras covinhas que surgem escondidas na base subterrada de alguns menires e esteios de antas. Outras ainda surgem na superfície interior dos chapéus e esteios e em contextos selados. Por vezes até debaixo de depósitos datados e coevos com o Megalitismo. Tudo situações que associam as covinhas ao Megalitismo.
    Apresentamos então alguns exemplos.
    Na Figura 49 (à esquerda) podemos observar covinhas verticais num dos monumentos de Viera (Málaga, Espanha, foto de Miguel Blanco de la Rubia). Na mesma Figura, no centro e à direita, vemos as covinhas gravadas os esteios do corredor da Anta do Olival da Pêga II (fotos de Victor Gonçalves retiradas de Rocha 2004, p.7). Nestes dois exemplos apresentamos covinhas verticais em espaços interiores dos monumentos. Atenção que o primeiro monumento é já de um Megalitismo tardio e no segundo as covinhas podem ter sido feitas numa reutilização também tardia.
    Que lado escolher nesta discussão sobre a relação das covinhas com o Megalitismo? Nenhum pois ambas as teorias estão certas. Como vimos as covinhas foram usadas pelo Homem antes do surgimento da Cultura do Megalitismo. Podem ter sido adotadas pela "oficial" religião megalítica dentro de um sincretismo ou terem tido continuidade dentro da religião popular. Uma "relação" entre as covinhas e as várias religiões que continuou até hoje.
    Leonor Rocha (2004, p.3) traz-nos esta nota sobre uma interessante relação entre Santuários Rupestres e necrópoles megalítica:
    "(...) destaca-se no Concelho de Alandroal, o Poio Grande (Calado, 1993), uma fenda natural aberta numa vertente rochosa abrupta, sobre a Ribeira da Silveirinha, que apresenta, numa das paredes laterais, um painel com numerosas covinhas. O sítio localiza-se nas imediações de uma necrópole megalítica, constituída por cerca de dezena e meia de monumentos de xisto (...)". (Figura 50).
    As Antas são muito mais que monumentos funerários. São altares e templos dentro de Santuários que se estendem no espaço e no tempo. Com o passar dos séculos as diferentes culturas e religiões vão acrescentando monumentos e crenças. Nascem Paisagens Rituais de grande complexidade mas difíceis de "ler". Uma relação milenar entre fertilidade e morte com as covinhas sempre presentes.
    É muito interessante a continuidade das Antas enquanto templos. Continuaram a ter uso ao longo da Pré-História com monumentos de culturas posteriores a serem acrescentados. Algumas das antas foram mesmo assimiladas por Qubbas no perodo islâmico. Estas Qubbas foram por sua vez assimiladas por Ermidas cristãs. No Alentejo as Ermidas rurais são autênticas bonecas "Matrioskas". Um espetacular sincretismo arquitetónico e uma imensa continuidade de rituais.
    Passamos a apresentar algumas dessas Antas-Qubbas-Ermidas com base no trabalho de Jorge de Oliveira et al (1995):
- Anta-Capela de S Dinis em Pavia no Concelho de Mora (Figura 51 à direita).
- Anta-Capela de NS do Livramento em S Brissos no Concelho de Montemor-o-Novo (Figura 51 à esquerda).
- Anta-Capela de S Bento do Mato na Azaruja no Concelho de Évora. Nesta vê-se claramente o pequena Qubba (Figura 52).
- Anta - Capela de S Fausto no Concelho de Torrão com covinhas (Figura 53, fotos de Jorge de Oliveira).
- Anta-Capela de NS do Monte em Penela da Beira no Concelho de Penedono (Figura 54, fotos retiradas do Site "Megalithic")
- Anta- Capela de Santa Maria da Madalena na Igreja das Alcobertas e no Concelho de Rio Maio com covinhas (Figura 55, fotos retiradas do Blogue "Cascalenses").
    Apresentamos a hipótese da Anta da Candeeira (Redondo) também ter sido uma Anta-Capela ou uma Anta-Eremitério e provavelmente uma Qubba.
    As covinhas continuaram a acompanhar o Homem nos seus rituais de morte ao longo dos tempos. Andrade (2010, p.12-13) apresenta alguns casos para a Idade do Ferro do Bronze e Período Romano:
    "Surgem (as covinhas), igualmente, em contextos de cronologias mais recentes, em necrópoles da Idade do Bronze pleno como na tampa da sepultura 23 da necrópole da Provença (Santos, Soares e Silva, 1974) ou na tampa da sepultura do Sobreiro (Gomes et al., 2002), em necrópoles da Idade do Ferro como na estela 1 da necrópole da Abóboda (Beirão, 1986, p. 132) ou mesmo em necrópoles de época romana como Talha de Baixo (informação pessoal de André Carneiro)."


Figura 47

Figura 48

Figura 49


Figura 50




Figura 51

Figura 52

Figura 53

Figura 54

Figura 55




5.1 - Altar  e Sepultura com covinhas na Serra das Pedras


    A Serra da Pedras no Concelho de Reguengos de Monsaraz está repleta de Graffiti Histórico que pode esconder Arte Rupestre. Na Figura 56 apresentamos um espetacular sítio com vários painéis que designámos como SP17. Neste SP17 surgem dezenas de Ideogramas Mágico Religiosos e até uma covinha dentro de uma "ferradura". Alguns destes Ideogramas surgem também no Algarve nos Menires do Lavajo. Uma espetacular continuidade temporal e territorial dos nosso Ideogramas. Na Figura 57 apresentamos o painel SP23 que já levou um "toquezinho" da giratória. Infelizmente as máquinas vão destruindo este Museu a céu aberto.
    No Sopé das Serra das Pedras encontramos dois interessantes afloramentos xistosos separados por apenas 4 metros (SP 27). Num deles encontramos uma sepultura escavada na rocha e no outro um pequeno "altar" coberto de covinhas. Estes dois afloramentos parecem estar associados. Um monumento muito interessante. Como não o encontrámos em nenhuma publicação acabámos por fazer o registo antes que desapareça. Consultem as Figuras 58 a 61 onde podem compreender melhor as formas e respetivas medidas. A sombreado temos o altar propriamente dito e a rampa.
    O afloramento onde encontramos a sepultura encontra-se afeiçoado em três dos lados fazendo lembrar um sarcófago. Em volta da sepultura surgem algumas covinhas. É sempre difícil datar sepulturas escavadas na rocha. Encontramos paralelos na forma de sepulturas de período romano. Na Figura 62 apresentamos alguns blocos de mármore com sepulturas do período romano do Museu de Vila Viçosa. Deixamos também a hipótese da nossa sepultura ser uma "cama" usada num ritual de "incubatio". Nestes rituais dormia-se em lugares sagrados para depois se prever o futuro interpretando os sonhos.
    O nosso altar é quadrangular e está dividido em dois lados de diferentes cotas. A divisão é feita por uma rampa escavada na rocha e bem escorregadia (eu que o diga). O lado mais elevado, de forma oval, apresenta a uma maior concentração de covinhas. As covinhas mais expressivas parecem estar alinhadas delimitando parcialmente este lado mais alto. O lado de menor cota também apresenta várias covinhas mas é mais irregular. A rampa é bastante regular na forma. Quanto à função pode ter servido para aceder ao lado mais alto do altar. Pode ter servido para escorrer algo provavelmente liquido. Pode também ter servido como "escorrega" ritual. Das Pedras Escorregadias falaremos mais à frente.
    Ambos os afloramentos estão orientados para Sul e apresentam ligeira inclinação também para Sul. Não sabemos se a sepultura fazia parte de uma Necrópole. O coberto vegetal não permitiu identificar mais sepulturas escavadas na rocha ou materiais que nos ajudassem a datar este impressionante monumento. Fica o registo.
    Tvauri (1999, p.143) traz-nos dois interessantes registos etnográficos em relação ao uso das covinhas em rituais ligados à morte:
    "Two unique reports on the meaning of cup-marks come from the northern part of Estonia. In 1939 a collector of heritage recorded an account about the cup-marked stone of Kaaruka village, JärvaJaani parish: “Tiny holes appear on the stone: people believed they were the passages through which dead souls entered the other world, as in the past the relatives of the deceased used to carve a small hole in the stone” (ERA II 221, 333 (4), 1939). The same collector has recorded a report about a stone in Kunda, which used to be surrounded by a sacred grove: “The offering stone had holes marking the deceased, who were burnt in the grove, as a close relative of each dead person had an obligation to bore a hole in the offering stone” (ERA II 221, 342 (24), 1939).".


Figura 56


Figura 57



Figura 58


Figura 59



Figura 60

Figura 61

Figura 62



Obrigado





2 comentários:

  1. Estimado,

    Muito obrigado pelo seu trabalho. Sou professor de História e um apaixonado pelo simbolismo alentejano. Podia, por favor, ajudar-me a localizar o sítio SP17 na Serra das Pedras?

    Obrigado,

    António Santos
    antonio.santos @ park-is.com

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