São muitos os Ideogramas Mágico Religiosos no nosso quotidiano. Infelizmente esquecemos os seus nomes e já não os vemos. No entanto continuam desempenhando a sua função apotropaica protegendo pessoas, casas, monumentos e até nações. Na casa alentejana vamos encontrá-los por todo o lado: nas chaminés, nas portas e janelas, nos "Alisares" e ombreiras, nos trabalhos em ferro e portões, no chão e nas fachadas.
Hoje os nossos Ideogramas servem de inspiração a artistas, surgem nas mais variadas decorações e são parte de Logotipos. Na Figura 1 encontramos um destes Ideogramas Mágico Religiosos esquecidos no Logo do Hotel S Lourenço do Barrocal em Monsaraz. Neste Logo encontramos "Rub El Hizb" em forma de "Nó Eterno". Um belo Logo inspirado num Ideograma milenar. Esperemos que este Logo "Mágico Religioso" proteja esta Herdade alentejana que agora é também um Hotel. Um Alentejo feito de continuidade onde o futuro é construído com o passado. A forte Identidade Cultural é o maior recurso do Alentejo.
Podemos dividir os Ideogramas Mágico Religiosos em categorias. A mais variada e frequente destas categorias são os "Estreliformes". Estes Ideogramas "em forma de estrela" surgem por todo o lado em grande variedade como podem ver na Figura 2. Dentro dos Estreliformes os que surgem mais são os Octagramas, Pentagramas e Hexagramas consoante o número de "pontas".
Os Estreliformes são por vezes associados a Judeus, Templários, Neo-Pagãos e a várias Sociedade mais ou menos secretas. No entanto estes Ideogramas surgem há milhares de anos e por todo o mundo não servindo para identificar nenhum destes grupos.
Entre os Estreliformes os Octagramas são decididamente os mais frequentes, surgem sob diversas Formas e são também os Ideogramas mais antigos no registo artistico - arqueológico. O Octagrama surge na escrita Cuneiforme Suméria de há 4000 anos e em Selos Hititas com 3000 anos. No Crescente Fértil surge associado ao Sol e à Lua representando uma "estrela" que é o planeta Vénus. Esta Estrela-Planeta é um símbolo de várias Deusas antigas: Inana da Suméria, Ishtar de Babilónios e Assirios, Astarte dos Fenicios, Afrodite dos Gregos e Vénus dos Romanos. Deusas da fertilidade responsáveis pelas estações do ano e pelo nascer do dia. O planeta Vénus brilha como uma estrela enquanto "traz" a luz da madrugada. Vénus era também o nome dado pelos romanos ao Monte sagrado do Alentejo central: a Serra dos Ossos ou Serra d'Ossa. O grande Rio do Sul herdou o nome da Deusa Inana. O nosso Wádi (arábico para Rio) Inana ou Guadiana. As Deusas da Fertilidade continuaram o seu trabalho dentro do Sincretismo Cristão da Virgem Maria. Segundo Moisés Espirito Santo, em Portugal, Maria tem mais de 1000 nomes substituindo Deusas antigas que também tinham vários nomes e atributos. Do Anjo Caído falaremos noutro Post.
Dentro dos Octagramas temos então o "Rub El Hizb" que vemos a azul na Figura 2. Temos que começarmos a chamar pelo nome os Ideogramas escondidos à vista de todos. A ver se tiramos este imenso e rico mundo do esquecimento. Do nome em português já não há memória. Conhecemos este Ideograma pelo seu nome em árabe. Um nome que se refere à sua função métrica no Corão. O Corão está dividido em 60 Hizb sendo o Hizb representado por um Octagrama (ver Figura 3). Outros nome para este Ideograma é "Najmat Al Quads" ou "Estrela de Jerusalém". No site "Farbound.Net" encontramos uma interessante Post sobre este Ideograma. A Figura 4 foi retirada e adaptada de lá.
Na India o nosso Ideograma ganha o nome de "Estrela de Lakshmi". Lakshmi é uma importante Deusa da vida e prosperidade do panteão Hindu. Esta Deusa aparece por vezes representada pela Suástica Gamada. A "Estrela de Lakshmi" é usada na India contemporânea de várias formas. Na Figura 5 (fotos retiradas da Internet) vamos encontrá-la desenhada no chão protegendo a entrada das casas. Aqui surge associada a vários outros Ideogramas formando poderosas "Fórmulas Mágicas". Estes Ideogramas construídos com cereais e especiarias têm o nome de "Rangoli". O Rangoli também é construído em festivais anuais como por exemplo o festival das luzes ou "Diwali". Em casa pode ainda ser usado em pequenos altares ou "Yagna" envolvendo o fogo sagrado ou "Homa" onde são feitas as oferendas (Figura 6, fotos retiradas da Internet). Esta tradição também existe no nosso Alentejo onde vamos encontramos Ideogramas protegendo o chão nas portas dos montes.
Na Figura 7 temos um conjunto de Octagramas protegendo entrada de um quarto num monte perto da Aldeia de Montejuntos (Alandroal). Este Ideograma é muitas vezes confundido com um tabuleiro de jogo.
Na Figura 8 vemos Octagramas em azulejos desempenhando a mesma função apotropaica.
Na Figura 9 vamos encontrar os Octagramas agora na calçada portuguesa e também protegendo portas em Vila Viçosa. Entre eles o nosso Rub El Hizb.
O Rub El Hizb teria outro nome no mundo romano e no cristianismo primitivo. Neste período surge muito em mosaicos que podemos observar na Figura 10. No primeiro temos um mosaico encontrado em Zeugma na Turquia. No segundo um mosaico, do seculo VI, com um tema de sacrifício do velho testamento encontrado em Ravena (Itália). O terceiro foi encontrado por cá na Vila Romana do Rabaçal (Penela). Este último retirado do Youtube em "Visita Virtual - Villa Romana do Rabaçal".
Na Idade Média o Rub El Hizb surge por todo o mundo islâmico principalmente na decoração dos edifícios (Figura 11, Fotos retiradas da Internet). Destaque para os belíssimos azulejos de Kasham na Pérsia (Irão). No entanto a figuração não é comum nas artes decorativas do Islão. Segundo o Corão só Deus pode criar. As artes decorativas no Islão são complexas construções geométricas. Nestas construções encontramos muitos dos nossos Ideogramas Mágico Religiosos e mais uma vez escondidos à vista de todos. A estas elaboradas construções geométricas podemos chamar de "Redes Apotropaicas".
Nas Figura 12 apresentamos Redes Apotropaicas, construídas com azulejos, no Museu do Azulejo em Estremoz e no Norte de África.
Na Figura 13 (fotos retiradas da Internet) observamos como estes padrões se complexificam em edifícios do Oriente. Que espetacular beleza.
Acerca da decoração geométrica islâmica encontramos as seguintes hipóteses em Torres (2007, p.146-148):
"Um tal fascínio dos artistas muçulmanos pela decoração geométrica intriga os historiadores da Arte, que avançaram várias hipóteses. Para alguns, terá sido o peso do tabu religioso sobre a representação figurativa....Para outro, a importância conferida pelos muçulmanos ao estudo da matemática e da ciência dos números.....Para os partidários da influência do pensamento religioso e místico sobre a mentalidade dos artistas, os traçados, nas suas formas infinitas, refletiriam o fundamento da crença na indivisibilidade de Deus. E para os adeptos do simbolismo e esoterismo, cada figura geométrica representaria um símbolo - os artesão, agrupados em confrarias de iniciados, conservariam o hermetismo dos códigos e o significado dos símbolos".
As Redes Apotropaicas surgem sob diferentes formas no Alentejo. Nas ombreiras das portas, nas soleiras e no interior de alguns edifícios temos vindo a encontrar vários reticulados. Grafitos feitos de riscos simples horizontais, verticais e diagonais que se cruzam.
Na Figura 14 temos um exemplo destes "padrões". As Redes Apotropaicas teriam a função de "apanhar" ou "bloquear" o mal estão muitas vezes confundidas com tabuleiros de jogo ou "contagens". Na mesma Figura - temos uma "Flor da Vida", feita de Rosetas Hexapétalas, na porta da Sé de Évora. Esta bela composição desempenha provavelmente o mesmo papel de Rede Apotropaica.
Os Octagramas e o Rub El Hizb surgem na Idade Média Islâmica, com bastante frequência, na Tapeçaria e na Azulejaria.
Da Tapeçaria apresentamos a Figura 15. Nesta observamos o elaborado estandarte capturado na Batalha de las Navas de Tolosa. A grande vitória dos Reis Cristãos sobre os Almoadas que virou os ventos de guerra na Ibéria. Um estandarte feito de ouro, prata seda com 3.3 m x 2 m onde a Função apotropaica dos nossos Ideogramas não parece ter resultado. Na mesma Figura 15 temos um Tapete Persa ao lado de um Tapete de Arraiolos. Em ambos distinguimos claramente o nosso Rub El Hizb.
Quanto aos azulejos apresentamos a Figura 16. Nesta vemos vários azulejos Hispano Árabes encontrados em Lisboa, Évora, Coimbra e Estremoz (aqui no Museu do Azulejo). Em todos eles encontramos o Rub El Hizb associado a outros Octagramas e ao Nó de Salomão.
Na Figura 17 temos vários Rub El Hizb na obra de Leite de Vasconcelos "Signum Salomonis" de 1918. Ao primeiro chama o autor "Octalfa Magico Indostanico", o segundo é um brinco guardado num museu francês e o terceiro um caco encontrado no Algarve.
Na Figura 18 apresentamos vários "Nós Eternos" identificados por Vasconcelos. Uma assinatura dos Reis de Navarra em Forma de Nó Simples, um Nó complexo encontrado em Itália e um Nó numa "Corna" alentejana do Concelho de Alandroal. As cornas alentejanas são dos objetos com mais Ideogramas Mágico Religiosos que conhecemos. Damos o exemplo de uma Corna que está à guarda de Ana Sobral e é simplesmente espetacular (Figura 19). Nesta encontramos o Rub El Hizb em lugar de destaque. Vejam lá se descobrem.....
nosso Rub El Hizb surge muitas vezes sob esta Forma de Nó Eterno. Nestes Nós as linhas não têm fim e portanto não conseguimos encontrar a ponta.
Para Matthew Champion (2015, p.51) as "forças do mal" seguem as linhas sem fim dos Nós ficando presas para eternidade. Este autor dá o exemplo do Pentagrama que serve para afastar o mal ou para o encerrar nas suas linhas eternas . Na maneira como podemos traçar o Pentagrama, sem levantar o bico do lápis, também encontramos um Nó Eterno.
Na Figura 20 apresentamos um Grafito de um Pentagrama prendendo um demónio. Este Grafito está na parede de um templo no Reino Unido. A imagem foi retirada do Blogue "Norfolk Medieval Graffiti Survey". É de notar que o demónio parece bastante aborrecido por ter caído na armadilha.
Os Nós fazem parte da História do Homem. Todos conhecemos a história do Nó Górdio e a "delicada" solução de Alexandre. Leite de Vasconcelos refere também o "Nodus Herculaneus" dos Gregos e Romanos. Um Nó mágico conhecido por "Nó de Salomão" na crença Judaico-Cristã (Vasconcelos 1918, p. 266). No Norte da Europa este Ideograma ganha vários nomes sendo muito frequente na Heráldica. Em Portugal surge na Arquitetura Manuelina por exemplo nas abóbodas da Sé de Viseu. Parece ter sido também usado pela Casa de Bragança. Em Vila Viçosa encontramos a Porta dos Nós que, segundo a tradição, teria inscrita o mote "Depois de Vós, Nós". (Figura 21).
Acerca da Função dos Nós mágicos deixamos as palavras de Leite de Vasconcelos (1918, p.267):
"Os nós mágicos têm fundamentalmente por fim prender os espíritos, ou os bons ou os maus. Assim como o Diabo leva consigo as almas perdidas, assim se supõe que tem em seu poder qualquer cousa que se perde, e por isso prendem-no para evitarem que ele faça maior mal."
Ainda Vasconcelos (p.265) acerca do Nó da Figura 18 encontrado em Itália.
"...vê-se desenhado em paredes de casas e igrejas, em bancos, etc, e é usado na costa ligurica, principalmente entre marítimos que, além do nome de Nodo di Salomone, lhe dão o de Gruppo di Salomone... Emblema de rocas artisticas que os namorados oferecem na Umbria (Itália) às suas namoradas, emblema que se chama nodo di salomone".
As palavras de Fernando Coimbra (2015, p.83) frisando o papel apotropaico do Nó de Salomão:
"The representation of this symbol, either in rock art or on stones for including in houses from the Hillfort’s Culture, had certainly an apotropaic value, which seems to persist during the Middle Ages in the Eastern Pyrenees, both in rock art (Abelanet, 1990) and scratched on the walls of some churches (Coimbra, Tosana, 2010)".
Na Figura 22 apresentamos Nós simples dentro de Funções apotropaicas. Em moldes para queijo na Finlândia, numa estela medieval da Suécia e num elemento decorativo dos Nativo-Americanos do Mississipi (fotos retiradas da Internet).
Na Figura 23 vamos encontrar um Nó Simples protegendo o teclado dos computadores da Apple. Rituais antigos em tecnologia topo de gama. Grande Steve Jobs.
Na Figura 24 voltamos a Portugal onde encontramos Nós Simples numa porta do Convento do Carmo em Lisboa e numa porta do Convento de Mafra. Duas localizações estratégicas onde estes Ideogramas certamente desempenham uma Função Apotropaica. Não me parece que estas duas situações sejam Marcas de Canteiro pois têm localizações muito especificas e não se repetem em outras pedras. Ainda na mesma Figura recuamos no tempo e damos um salto à Vila Romana de Odrinhas. Num dos mosaicos encontramos duas Formas diferentes de Nó de Salomão (A e B). Um chão muito bem protegido.
Na Figura 25 relembramos o Rub El Hizb, em Forma de Nó Eterno, encontrado por Leite de Vasconcelos numa Corna alentejana. Ao lado temos o mesmo Ideograma num grafito numa Igreja espanhola e associado a um Pentagrama. Foto de Koldo Gares Izarbe a quem agradecemos. Na mesma Figura encontramos o nosso Rub El Hizb numa chaminé de Escuta da Aldeia da Vendinha (Évora). Nesta chaminé de 1815 o Nó Eterno surge associado a uma Roseta Hexapétala. Nos restantes panos da chaminé temos a Cruz Latina, Espirais Simples e mais Hexapétalas. Que riqueza este nosso Alentejo.
São vários os Ideogramas que por vezes surgem sob a Forma de Nós. Além do Rub El Hizb encontramos frequentemente outros Octagramas, Pentagramas e Hexagramas. Para terminar, e complicar ainda mais este Post, apresentamos a Figura 26. Nesta Figura observamos como os Nós escondem por vezes Suásticas. No primeiro caso o Nó de Salomão escondendo uma Suástica Gamada. De seguida voltamos à Vila romana do Rabaçal onde vamos encontrar mais Suásticas Gamadas escondidas em Nós. Por fim observamos um azulejo Hispano Árabe encontrado no Castelo de S Jorge. Neste azulejo cruzam-se vários Nós e no centro encontramos um Octagrama de onde "nasce" uma Suástica. Imaginemos um parede coberta destes azulejos.....que bela complexidade. Tudo isto faz-nos lembrar o Rangoli indiano da Figura --- e as antigas Deusas da Fertilidade e os seus vários atributos.
Fernando Coimbra (1996, p.370) acerca dos Nós são também Suásticas:
"No caso das swastikas do Alto Minho castrejas elas deveriam ter um valor apotropaico, tal como os trísceles e tetrásceles que surgem em pedras semelhantes. Corno diz V. Risco, «pode que estes signos dos nosos castros e citanias pretendesem asegurar, como o nó de Gordio, algunha potência divina, persoal ou impersoal, co-a qual o que os contemplaba creia pôrse en comunicación» (RISCO, 1959: 488). Para alguns, este tipo de símbolo não é uma swastika. Nós pensamos que é..... ".
Obrigado
Bibliografia
Champion, Matthew (2015) - Medieval Grafitti: The lost voice of England's Churches.
Coimbra, Fernando (2015) - Lunar Representations in Portugal during Late Prehistory.
Coimbra, Fernando (2016) - Arte Rupestre e pensamento religioso na Pré-História.
Torres, Cláudio (2007) - À Descoberta da Arte Islâmica no Mediterrâneo.
Vasconcelos, Leite de (1918) - Signum Salomonis
Sobre nós e entrelaçados ler em Henri-Irenée Marrou. Num livro que é dedicado ao tempo de transformação «anterior» à Idade Média. O título é: Décadence romaine ou Antiquité tardive?
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